Finalmente o Banco Central brasileiro anunciou um plano de implementação do dinheiro digital, que pode entrar em circulação em dois ou três anos. Inaugurei esse debate em 2015 no Congresso Nacional, quando apresentei o Projeto de Lei 48/2015, propondo o fim do dinheiro em espécie com um prazo de transição de dez anos. Com a demora no trâmite da matéria, em 2020 apresentei o PL 4.068, reduzindo o período de mudança para os próximos dois anos.
O Brasil poderia estar muito mais avançado na sua digitalização monetária. Foi a realidade que fez as coisas se adiantarem. A pandemia acelerou a transformação do comportamento do indivíduo em relação ao consumo e na maneira de pagar, com o aumento das compras online. As inovações tecnológicas e suas novas relações comerciais digitais também ajudaram na evolução do processo. O próprio Banco Central deu sua contribuição com a instituição do Pix, que caiu no gosto popular.
No mundo, a China é o país mais avançado na eliminação do dinheiro de papel. Por lá, os cartões são pouco usados, e a preferência é o pagamento via carteiras digitais tipo Wechat e Alipay, criadas por empresas. O governo chinês ficou incomodado com a ameaça de perder o controle do sistema financeiro para Big Techs e acelerou os testes do Yuan Digital. Uma campanha chegou a sortear valores digitais entre a população, para que as pessoas experimentassem o novo dinheiro. Além disso, o BC chinês lançou um aplicativo próprio, uma espécie de PicPay oficial.
Os objetivos da China vão muito além do seu mercado interno e podem representar uma mudança estrutural nas relações do comércio exterior, hoje baseada no dólar. A ascensão de moedas digitais pode dar à China o poder de liderança que já exerce nas exportações. O sistema e-yuan quer evitar que uma siderúrgica chinesa tenha que comprar dólares para adquirir minério de ferro do Brasil. A saída apresentada é a criação de uma espécie de casa de câmbio automática, capaz de converter e-yuans em e-reais instantaneamente, sem passar pelo sistema bancário internacional.
Como o maior parceiro comercial do Brasil é a China, é preciso que o nosso Banco Central acelere a circulação do Real Digital. A digitalização do sistema financeiro brasileiro tem muitas outras vantagens. Seria uma forma de enfrentar a sonegação, que representa um prejuízo de R$ 500 bilhões para o Estado brasileiro. Com 12% da arrecadação na dívida ativa, a digitalização do sistema fazendário poderá fazer com que o sistema faça a repartição da arrecadação diretamente nas contas de cada ente federado, diminuindo a burocracia e as apropriações indébitas do atual sonegador, que recebe do consumidor os impostos e não repassa para o país.
A moeda digital seria também um duro golpe contra a economia subterrânea, presente na corrupção, na lavagem de dinheiro, no tráfico de drogas e no crime organizado. Como toda transação financeira poderá ser rastreada, a prática desses crimes será dificultada. Além disso, a medida reduziria os custos com emissão do papel-moeda.
Seis anos após a apresentação do meu projeto para eliminar o dinheiro de papel, a discussão do tema ganhou novos contornos. Agora, a digitalização completa da economia pode representar uma nova fase do sistema de transação monetária internacional. Os governantes que sempre foram céticos a essa minha proposta agora têm que correr atrás do prejuízo para o Brasil não ficar para trás.