Estar com fome e não ter o que comer. Essa é a triste realidade da maioria dos brasileiros. É o que comprova levantamento publicado na semana passada por pesquisadores do grupo “Alimento para Justiça” da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB). Segundo os dados coletados, 59,4% enfrentam algum grau de insegurança alimentar, sendo 15% de forma grave, ou seja, passam fome.
Os impactos causados pela situação falimentar serão sentidos também no futuro, pois a fome e a má alimentação causam sérios problemas de saúde e desenvolvimento. Os hábitos alimentares mudaram na pandemia, onde a crise e aumento dos preços dos alimentos fez o brasileiro comprar itens mais baratos, que têm valores nutricionais inferiores.
O maior estudioso do tema no país, Josué de Castro, já ensinou que “a fome não é um fenômeno natural. É um fenômeno social, produto de estruturas econômicas defeituosas”. Assim, mais que consequência da pandemia, a fome faz parte do projeto político da elite nacional. Um dos primeiros atos do governo Bolsonaro foi extinguir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Criado no governo Itamar Franco, o Consea foi um importante instrumento balizador das políticas sociais dos anos de Lula e Dilma na presidência. Naquele período, pela primeira vez em 50 anos, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, graças a iniciativas como o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
As consequências econômicas da pandemia aprofundaram o quadro de pobreza e desigualdade social no país. Uma política paliativa foi criada pelo Congresso, quando aprovou o Auxílio Emergencial de R $600,00. Um estudo do PNAD-COVID constatou que 63,3% dos que receberam o benefício utilizaram os recursos para comprar comida, e 27,8% para pagar contas básicas e dívidas.
O auxílio foi encerrado pelo governo federal em dezembro e só voltou a ser pago agora em abril, mas com valor bem menor, onde a maior parte dos beneficiários deverá receber R $150,00 ou R $250,00 em quatro parcelas mensais. Apresentei uma emenda para que os R $600,00 fossem mantidos enquanto durar a pandemia, mas a maioria se impôs e a proposta governista foi aprovada.
Com os pobres entregues à própria sorte, crescem em todos os cantos do país ações de solidariedade e de arrecadação de alimentos para doações. O próprio PT, acostumado a cuidar do tema quando está no governo, criou a campanha PT Solidário, para arrecadar alimentos e contribuir com essa onda de solidariedade, que nunca foi tão necessária. “Quem tem fome tem pressa”, dizia o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que criou o Ação e Cidadania, um dos programas mais importantes de segurança alimentar.
Com Bolsonaro na presidência, a vida no Brasil foi banalizada. E a morte naturalizada, contada aos milhares todo dia, vítimas de um genocídio num país devastado pela pandemia. Só resta a esperança e a solidariedade com os que mais precisam, que têm a vida ameaçada também pela fome.
Reginaldo Lopes é deputado federal (PT-MG)
Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo