Desde tempos imemoriais, o ser humano é confrontado com a questão do pagamento de providências que transcendem o interesse particular e chegam à arena daquilo que é comum a todos, ou seja que é público, coletivo. De modo mais sistemático, a questão se coloca a partir da organização do Estado, que assume progressivamente o domínio do que é público, se apropriando, em contrapartida, de parte da riqueza gerada pela sociedade para custear a administração e viabilizar as providências comuns.
Relativamente fácil de expressar em palavras, o processo acima evoluiu de acordo com as contradições de cada época e de cada povo, sendo razão de muitas lágrimas e sangue derramado. Não há nação que não registre em sua história conflitos decorrentes das obrigações e privilégios que cada modelo tributário pode suscitar.
Para não voltar muito no tempo, fico com os exemplos da Guerra da Independência dos Estados Unidos, com os colonos de armas à mão bradando “sem representação não há taxação”. A Revolução Francesa, assentada preponderantemente no peso das obrigações feudais e na revolta com os privilégios da nobreza e do clero, mobilizou paixões e interesses contraditórios em tal escala que evoluiu para o terror da guilhotina, começando não à toa pelo pescoço de Luís XVI, mas devorando muitos outros depois, inclusive de revolucionários.
O Brasil também verteu sangue em torno dos impostos, como bem atestam, por exemplo, a Inconfidência Mineira e a Revolução Pernambucana de 1817. De modo muito sintomático, nas Minas Gerais, o dia da cobrança dos impostos atrasados era conhecido como o dia da derrama. Era derrama de lágrimas, de esperanças e também de sangue, como ilustra o caso de Tiradentes, imolado no altar da monarquia absoluta para mostrar à população pobre que a revolta importava em alto preço.
Evidenciado, pois, que em qualquer época ou lugar, tratar da questão tributária é tratar de potenciais e efetivos conflitos de interesses. Desse modo, no mundo globalizado de hoje, são muitas as dimensões que devem ser analisadas, medidas e ponderadas. Há, todavia, algumas perguntas que se aplicam de modo universal à matéria: 1. Quanto da riqueza gerada a sociedade deve entregar ao Estado por meio de tributos? 2. Como essa conta deve ser distribuída entre os cidadãos? 3. Qual o destino da arrecadação gerada pelos tributos?
Não há respostas simples, nem lineares, para nenhuma dessas perguntas e elas se desdobram em outras questões também muito relevantes. O tema repercute nas relações sociais e econômicas dentro de cada país e entre os países, face à crescente importância das transações internacionais.
No Brasil, o esgarçamento social resultante da desigualdade extrema, agravada pela pandemia, a crise econômica e a crise fiscal colocam a Reforma Tributária na ordem do dia. Sobre essa questão nos debruçaremos em próximo artigo: qual o peso da carga tributária? Como está distribuída a carga dos impostos entre as pessoas e qual o destino dos impostos que pagamos? Que mudanças devem ser adotadas? Eis as questões.
Merlong Solano é deputado federal (PT-PI)