Elvino Bohn Gass (*)
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Nosso índice de Gini é 0,518, enquanto a média dos 38 países da OCDE é 0,315. Diferença abissal quando se sabe que, quanto mais longe do zero, mais injusto socialmente é o país. Isto se dá tanto no número de pessoas abaixo da linha da pobreza, 63 milhões de pessoas, 30% da população, quanto na inacreditável riqueza dos 1% mais ricos, R$ 8,1 trilhões, ou seja, metade de toda a riqueza nacional.
Sobre este quadro obsceno, era de se esperar que agisse o sistema tributário brasileiro. É assim em todas as maiores economias do mundo: tributar a riqueza excepcional para garantir bens públicos ao conjunto da população. Nosso sistema tributário, contudo, não é redutor da desigualdade, mas um fator de seu aumento.
Quando pobres e ricos compram alimentos, pagam os mesmos impostos: açúcar (32%), arroz (17%), macarrão (18%), carne (17%). Mas o peso destas compras, e dos tributos nelas embutidos, sobre a renda das famílias, é desigual. Em uma renda de RS 15.000,00, os impostos sobre esses itens absorvem 2%. E a parte que não utilizada para consumo é poupada. Mas, se a renda é de R$ 3.000,00 o imposto representa 10%, ou seja, cinco vezes mais. Dado este sistema regressivo, quem paga muito imposto no Brasil são os pobres.
Já para os ricos, o sistema é uma verdadeira mãe. Deles, é taxada a renda e a propriedade. Mas, se em países como EUA, Austrália, Canadá estes impostos representam 60% do total arrecadado, por aqui, mal passa dos 25%. Detalhe: o Brasil é um dos poucos que não cobra imposto sobre dividendos. E não se diga que isso estimula a produção; dividendo é recurso que sai da empresa para o bolso do seu controlador.
Sobre a terra, a mesma coisa. O ITR do Brasil é muito inferior ao IPTU de uma única cidade como São Paulo. O grande proprietário rural quase não paga imposto, mas o morador ou locatário urbano, paga.
É como se todo o sistema tributário brasileiro fosse organizado para tirar dinheiro dos pobres e o destinar aos ricos. Exemplo disso, são os R$503 bilhões, 28% de todas as demais despesas do governo, pagos a título de juros da dívida.
Esta é a verdadeira indecência brasileira!
A isto se propõe enfrentar a segunda etapa da reforma tributária, que precisa voltar a taxar a distribuição de lucros e dividendos, como ocorre em todo mundo. Se todo o trabalhador desconta o imposto em seu salário, não há justificativa, nem ética, nem econômica, para que um proprietário não pague nada quando retira dinheiro da empresa que controla. Também é necessário tributar os “fundos dos super-ricos”, quase sempre de uma só pessoa, feitos para elidir os impostos. Calcula-se que, hoje, este tipo de fundo detenha R$ 800 bilhões de patrimônio.
A segunda etapa da reforma deve, ao menos, fazer com que os super-ricos paguem perto do que os pobres já pagam. Será uma transformação gigantesca para este injusto país. Poderemos planejar e financiar a saúde, a segurança e educação públicas, voltar a combater com vigor a fome e a miséria, impulsionar um projeto de nação. Um pouco de justiça tributária e podemos olhar nosso futuro com esperança e confiança. Podemos fazer um país para todos.
(*)Deputado Federal ( PT-RS), vice-líder do governo Lula no Congresso Nacional, agricultor, sindicalista e professor. É pós-graduado em Gestão Social.
Artigo publicado originalmente no site Poder 360