Reforma Administrativa de Bolsonaro fere cláusulas pétreas, rompe o princípio da isonomia e fragiliza a administração pública

Especialistas preveem o caos do serviço público brasileiro, caso a Reforma Administrativa prevista na proposta de emenda à Constituição (PEC 32), de autoria do Poder Executivo, seja aprovada no Congresso Nacional. O alerta foi feito durante seminário organizado pelo Comissão do Trabalho e Serviços Públicos, que tratou do tema, nesta segunda-feira (10). Convidados, os representantes do governo, sem nenhuma justificativa, não compareceram ao debate.

O seminário foi proposto pelos parlamentares da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara, Carlos Veras (PT-PE), Erika Kokay (PT-DF), Leonardo Monteiro (PT-MG), Marcon (PT-RS) e Rogério Correia (PT-MG).

Em sua exposição sobre a Perspectiva Histórica das Reformas Administrativas no Estado brasileiro, Visão Geral da PEC 32 e o Futuro da Administração Pública, a professora Maria da Graça Druck, do Departamento de Sociologia na Universidade Federal da Bahia (FFCH/UFBA) e pesquisadora do Centro de Recursos Humanos (CRH/UFBA) e do CNPq, afirmou que a motivação que sustenta a PEC 32 é a mesma que fez o Congresso Nacional a aprovar, em 2016, a Emenda Constitucional (EC 95).

“É a mesma motivação, a mesma justificativa. A EC 95 impôs um limite para os gastos em políticas públicas, saúde, educação, ciência, tecnologia, segurança, assistência, e assim por diante. Ela não propôs nenhum limite a outras despesas que são de uma monta enorme para o Estado brasileiro, que são as despesas com o pagamento de juros e de amortizações da dívida pública, ou seja, as despesas financeiras do Estado”, esclareceu a pesquisadora.

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Reforma Trabalhista

Maria da Graça Druck chamou a atenção da comissão para os preceitos contidos na PEC 32. Segundo ela, o que está se propondo tem a mesma conformação da Reforma Trabalhista. “Eu considero que a Reforma Administrativa é a Reforma Trabalhista dos servidores públicos”.

A pesquisadora lembrou que, em 2017, o Brasil foi levado a crer que teria uma Reforma Trabalhista que aumentaria os empregos e alavancaria o crescimento econômico. “Não foi o que ocorreu. Não houve o aumento do emprego, as taxas de desemprego se mantiveram altas, e eu estou falando isso antes da pandemia, ou seja, até 2019. E não houve um aquecimento do emprego protegido, ao contrário, a ocupação que cresceu foi a informal, a precária”, criticou.

A professora disse ainda que o patamar de desorganização, de desigualdade no mercado de trabalho brasileiro, que já era muito alto quando a pandemia chegou, e amplificou essa situação.

Maria da Graça avalia que tanto a Reforma Trabalhista, como Administrativa proposta pelo governo Bolsonaro tem o mesmo objetivo que é “a subtração de direitos, ou seja, elas estão subsumidas a uma mesma lógica de mercantilização radical de absolutamente tudo do trabalho, independentemente da sua natureza, sobre domínio que se chama de fundamentalismo neoliberal, que hoje não tem limites morais e nem materiais pra serem realizados”.

Coronelismo

“Eu diria o seguinte: Se a PEC 32 for aprovada, ela vai, não só, validar, legalizar e constitucionalizar essa situação, que já é uma situação de precarização do trabalho e dos servidores públicos, e de desmonte mesmo de serviços públicos do Estado brasileiro, porque a PEC 32 tem como objetivo um Estado sem servidores públicos estatutários, sem estabilidade, sem concurso público”, alertou Maria da Graça.

Essa situação, segundo a pesquisadora, vai institucionalizar a prática de coronelismo.  “Substituir os concursos públicos por processos seletivos simplificados, na realidade significa deixar a mercê do governo de plantão a escolha e a indicação de nomes para compor o serviço público, sem qualquer avaliação da sua capacidade, da sua competência profissional. Ou seja, é o velho coronelismo que vai estar legalizado e constitucionalizado com esse tipo de alteração no que diz respeito aos contratos”, argumentou.

Estabilidade

Para a professora e pesquisadora, a estabilidade é indissociável do servidor público. “Não existe serviço público, por quê? Porque os servidores públicos não são empregados do governo de plantão. Servidores públicos são agentes da sociedade, que executam os serviços públicos, são aqueles que produzem, portanto, os bens públicos e coletivos, como educação, saúde, assistência, segurança, que são necessários para a sociedade, especialmente dos setores mais vulneráveis da sociedade brasileira”, finalizou.

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Reforma desconstrutora

Em sua exposição, o doutor em Ciências Sociais Ceppac/UnB, Luiz Alberto Santos, elencou uma série de disparate que a proposta bolsonarista traz em bojo. Segundo ele, a PEC é incongruente, inoportuna, inadmissível, foca no servidor e fere os preceitos estabelecidos na Constituição de 1988. “Eu critico, particularmente, a PEC 32, em função de um conjunto de características que vejo como extremamente perversas e preocupantes”, observou.

“Trata-se de uma PEC que é totalmente incongruente, porque ela foca no servidor público civil e deixa de fora, por exemplo, se fossemos trabalhar numa perspectiva de performance efetiva e ampla, os membros do Poder Judiciário, que nós sabemos, estão algumas das principais distorções que a reforma aponta e que não estão no serviço público civil”, observou.

Na opinião de Santos, a proposta afeta a atual força de trabalho dos três níveis de governo “de forma absolutamente irresponsável, lamento dizer absolutamente irresponsável”, reforçou.  “É uma Reforma Trabalhista desconstrutora do serviço público. Ela opera na lógica de dividir para governar, deixa de fora, mais uma vez, os militares e concentra foco nos servidores públicos civis. É uma visão absolutamente equivocada caso considerasse também as suas premissas verdadeiras, ou seja, da necessidade da redução de gastos com o pessoal”, enfatizou.

Além disso, o professor enfatizou a ideia de que o projeto adota “conceitos genéricos, vagos, imprecisos e absolutamente inaplicáveis”. “Isso não é papel de proposta de emenda à Constituição. Paira a pergunta, vamos ter um novo serviço público ou serviço público nenhum ao final desse processo?”, questionou.

Proposta inoportuna

Luiz Alberto Santos corroborou à ideia levantada pelo deputado Rogério Correia de que se trata de uma proposta inoportuna. Para ambos, esse tema não deveria estar sendo debatido no contexto da pandemia. Para eles, o debate está comprometido em virtude das limitações impostas pela Covid-19.

“Compromete drasticamente dos trabalhos do Congresso Nacional ao limitar a atuação dos grupos de interesse, ao limitar a atuação dos próprios parlamentares em função das sessões remotas, semipresenciais, os próprios instrumentos regimentais utilizados para o debate desta natureza estão prejudicados em função da dinâmica desse tipo de trabalho”, avaliou Luiz Alberto Santos.

O professor também sustentou a tese da inadmissibilidade da proposta. “Ela ofende cláusulas pétreas, ela rompe o princípio da isonomia, ela fragiliza os princípios da administração pública. Embora esteja mexendo nesses princípios com o propósito de ampliar esses princípios, o faz de forma absolutamente inadequada, estabelecendo alguns regramentos, em relação a isso, basicamente orientados para uma, digamos assim, vulgarização dos conceitos adotados em relação aos princípios que devem reger a administração pública”, lamentou.

Santos ainda alertou que, com a proposta, a competência dos entes subnacionais será esvaziada. O que segundo ele, é absolutamente inadequado na perspectiva de um federalismo responsável. “Não podemos, obviamente, imaginar uma federação sólida em que os entes subnacionais são tutelados pelo governo central, de forma a perder qualquer capacidade que for sobre a sua própria administração”, criticou.

“A PEC é inadequada, ela desconhece as complexidades federativas e tenta colocar sob leque de Lei Complementar Federal regramentos de caráter nacional, que não poderão ser aplicados a frio, terão que ser adequados às realidades de cada ente, de cada nível da federação”, explicou.

Para ele, com essa PEC o presidente da República “se arvorará em prerrogativas inéditas do regime democrático, retrocedendo a um modelo centralizador, como ocorreu durante a ditadura do Estado novo, período comandado por Getúlio Vargas”.

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Tratoraço

Ao se pronunciar em nome da Liderança do Partido dos Trabalhadores, o deputado Rogério Correia criticou a celeridade que o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) está dando à análise da proposta.

“Ele (Arthur Lira) já determinou quem vai ser o presidente, quem vai ser o relator antes de ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. Então, é uma pressa que se dá exatamente nesse período de pandemia, correndo o risco de que esse debate não seja realizado com a precisão e a necessidade que ele tem, e sim através do tratoraço”, alertou o deputado, se referindo às denúncias veiculadas pelo jornal O Estado de S. Paulo neste domingo (9)

Para Rogério Correia, essa “pressa” será a oportunidade de esclarecer como funciona isso. “Isto porque, as denúncias desse fim de semana colocam um orçamento secreto de R$ 3 bilhões em emendas para parte de deputados privilegiado para dar sustentação ao governo. Então, isso coloca em xeque se nós não fizermos um debate aprofundado desta emenda constitucional com todos esses problemas e polêmicos que estão colocados”, argumentou o parlamentar mineiro.

Rejeição da PEC

Rogério Correia também é da opinião que a PEC 32 fere os princípios constitucionais e, portanto, não poderia ser aceita pela Câmara dos Deputados. “É uma emenda constitucional completamente nefasta. Ela modifica a alma da Constituição 1988 e tinha que ser devolvida. O presidente da Câmara não devia sequer ter recebido isso”, criticou.

“Eu chamo a atenção dos deputados e deputadas, que talvez vão aprovar isso. Essa reforma não terá a menor guarida do Senado. Os senadores não vão aprová-la, vai ser um desgaste”,  afirmou Rogério Correia.

 

Benildes Rodrigues

 

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