O fato político central nos últimos quarenta anos da luta de classes na sociedade brasileira é a existência do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Nessa sociedade criminosamente desigual é em torno da existência do PT que se posicionam, há quatro décadas, as forças políticas mais relevantes do país que têm disputado projetos para a nossa sociedade.
De um lado, os interesses dos segmentos sociais que pretendem, por todos os meios, manobras e golpes, utilizar as instituições para perpetuar a estrutura de “apartheid social” e submissão colonial que caracteriza secularmente a sociedade brasileira; e, no polo oposto, os atores sociais que buscam organizar e mobilizar a vontade popular visando romper essa estrutura de privilégios.
Democracia – Não se trata, portanto, apenas de recuperar a trajetória de mais de quatro décadas desse Partido, desde o ponto de vista dos assalariados e de amplos setores marginalizados da sociedade. Trata-se de constatar uma realidade percebida a partir da visão do conjunto das forças que se movem na disputa, para definir os rumos do desenvolvimento e da consolidação da democracia no Brasil.
O PT constituiu-se, todos sabemos, como o estuário das forças políticas mais profundamente comprometidas com a resistência à ditadura militar e pela redemocratização do País – de 1964 a 1988, quando voltamos a contar com uma Constituição democrática – a partir das lutas concretas dos movimentos dos trabalhadores do campo e da cidade, da Igreja e da intelectualidade progressistas, dos movimentos reivindicatórios das periferias das cidades, das lutas dos jovens e estudantes, e dos movimentos culturais. Uma força social articulada a partir da base da sociedade!
Luta democrática – O PT atuou de forma relevante – em certos momentos, de forma decisiva – nos momentos mais importantes da história nacional nestes 41 anos. Nas lutas em defesa da democracia e da soberania nacional, por reforma agrária, por liberdade e autonomia sindical, condições dignas de trabalho e moradia, defesa e ampliação do poder de compra do salário mínimo, pelas “Diretas Já!”, em favor da Constituinte Livre e Soberana, nas mobilizações pelo “Fora, Collor!”, pelo não pagamento da dívida externa, na campanha contra a Alca e na luta contra a fome.
Desde as origens, o PT entendeu como riqueza a diversidade das experiências das esquerdas que concorreram para sua construção. Soube constituir-se a partir da pluralidade de pensamento, como um pacto político e não como um pacto ideológico atado a uma doutrina previamente definida, como condição para assegurar o êxito na tarefa de organizar e representar um conjunto tão complexo de segmentos de uma classe trabalhadora heterogênea, submetida a uma multiplicidade de formas de exploração.
Militância – Definiu-se, ao nascer, como uma força política radicalmente democrática e aprendeu no conflito interno das diferentes perspectivas que abriga a aprimorar sua organização de forma a garantir uma maior participação dos seus filiados e militantes.
Distanciou-se da ortodoxia das experiências partidárias e de poder da esquerda que o precederam ao estabelecer a proporcionalidade de representação das minorias nas instâncias de direção, ao criar as cotas de representação e ao constituir Setoriais e Secretarias como a das mulheres, juventude, combate ao racismo e LGBTT nos diretórios, além de estabelecer a paridade de gênero em suas direções. Em suma, abriu nos seus estatutos espaços democráticos de participação proporcional nos centros de decisão, condizentes com as exigências de um partido político socialista e democrático contemporâneo.
Movimentos populares – Ao longo destes 41 anos, o PT se credenciou por sua ação junto aos movimentos populares, sempre sob fogo cerrado dos inimigos de classe, e se viabilizou como força capaz de organizar a vontade política dos setores assalariados da sociedade para disputar o poder. Algo inédito na história do País. Algo, também, intolerável para as elites e oligarquias, herdeiras dos senhores de escravos, que monopolizam desde sempre a representação política no Brasil.
Foi capaz de fazê-lo respeitando as regras fixadas por um sistema político em que sempre foi minoritário. Ocupou e ocupa espaços nas Câmaras Municipais e Prefeituras, nas Assembleias Legislativas e Executivos estaduais. E depois de três derrotas em disputas pela Presidência da República, sem jamais contestar os resultados, construiu uma inquestionável maioria eleitoral. E venceu.
Lula e José Alencar – Em 2002, seu fundador e principal liderança – Luiz Inácio Lula da Silva – sobe a rampa do Palácio do Planalto tendo ao lado um grande empresário do setor têxtil, o mineiro José Alencar. O PT negava na prática a pecha de sectarismo que a mídia corporativa sempre lhe imputou. Encarnavam, os dois, uma aliança entre os setores mais avançados dos movimentos dos trabalhadores e um segmento do empresariado comprometido com um projeto de desenvolvimento ancorado na soberania nacional, no combate à fome, na distribuição de renda e na inclusão social, aliadas à consolidação de um forte mercado interno de massas no Brasil.
O partido liderou a frente que governou o Brasil de 2002 a 2016, tendo reelegido Lula e elegido por duas vezes Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o cargo de presidenta da República no país, retirada do poder pelo golpe de Estado jurídico, midiático e parlamentar de 2016.
Em pouco mais de uma década, o PT pôs em marcha um programa de reformas que mudou a face do país. Reformas voltadas ao combate à fome, à pobreza, com uma política de recuperação do poder de compra do salário mínimo, pela redução das desigualdades regionais, com investimento em educação, pesquisa, sustentabilidade ambiental, estímulo às culturas populares das diferentes regiões, criação e ampliação das políticas públicas de saúde que resultaram na inclusão social de vastos setores da população excluída, como nunca ocorrera na história do país.
Governos exemplares do PT – Desmistificou a falácia disseminada pelas forças conservadoras de que a esquerda não tinha capacidade para governar. Investiu na democratização do Estado e na participação popular por meio das conferências temáticas e do orçamento participativo, investiu como nenhum outro governo nos mecanismos de combate à corrupção, como a Polícia Federal e o Ministério Público, para consolidar uma cultura republicana no País.
O Partido dos Trabalhadores foi atravessado pela revolução tecnológica dos últimos trinta anos, que varreu as relações de trabalho modeladas nas grandes plantas industriais que lhe deram origem. Tem diante de si o desafio de decifrar essa revolução tecnológica que pulverizou a classe trabalhadora, submetida agora ao empregador invisível e à demolição do conceito de jornada de trabalho vigente desde o nascimento da indústria.
Uberização do trabalho – O desafio de expressar diante do conjunto da sociedade os interesses de uma nova classe trabalhadora atônita, submetida aos critérios absolutos dos aplicativos, da uberização, utilizados pelo capital para radicalizar os processos de exploração do trabalho.
Esse partido, maduro, provado nas lutas sociais e nas experiências de governo tem diante de si a responsabilidade de não renunciar ao legado que construiu e, ao mesmo tempo, reconhecer os desafios colocados por uma sociedade muito mais complexa do que aquela que lhe deu o impulso inicial.
Frente democrática – Este novo cenário exige uma atitude política aberta para a construção de novos espaços horizontais de diálogo com as forças de esquerda. Sem veleidades hegemônicas. Que respeite as assimetrias ditadas pela experiência histórica de cada partido ou organização popular, indispensáveis à construção de uma Frente profundamente democrática, antifascista, que se proponha ir além das convergências eleitorais, comprometida com o resgate da soberania nacional, das políticas de inclusão social, redistribuição de renda e riqueza, sustentabilidade ambiental, combate ao racismo estrutural, visando romper com o caráter autoritário, patriarcal e racista do Estado brasileiro, para a construção de uma sociedade efetivamente democrática.
O PT chega ao dia 10 de fevereiro de 2021 no momento em que a milícia neofascista de Jair Bolsonaro completa dois anos à frente de um governo eleito graças a uma fraude jurídica que retirou da disputa seu principal opositor. Um governo de liquidação nacional e de destruição de direitos, que levou o Brasil à mais devastadora crise sanitária provocada pelo negacionismo criminoso da pandemia da Covid-19 e agravada pela incúria e incompetência igualmente criminosas para fazer frente a ela.
Calamidade nacional – Uma calamidade de largas proporções que agravou a conjugação de crises econômica e social, amadurecidas nos laboratórios do golpe de 2016, com a PEC 95, que fixou o teto de gastos por 20 anos e com as reformas trabalhista e da Previdência Social. O Brasil do pós-golpe e do governo Bolsonaro amarga elevadas taxas de desemprego – em torno de 14% – e regressa ao mapa da fome, segundo as Nações Unidas.
Frente a estes desafios, o PT apresentou uma proposta de saída para essa conjugação de crises com o “Plano de reconstrução e transformação do Brasil”, lançado em setembro de 2020 para a discussão com os setores democráticos da sociedade brasileira. E agora lança o nome do professor Fernando Haddad como pré-candidato à Presidência da República em 2022. Nem uma iniciativa nem outra são impeditivas de diálogo em relação às legítimas aspirações das demais forças da esquerda, sejam propostas para os rumos do país, seja a proposição de nomes de lideranças para conduzi-las.
Lula livre! – O STF anuncia para o primeiro semestre deste ano de 2021 o julgamento do pedido de suspeição de Sérgio Moro, ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro, depois de provado exaustivamente o conluio dele com os procuradores da Operação Lava-Jato para condenar e impedir o ex-presidente Lula de disputar as eleições de 2018. A devolução integral dos direitos políticos a Lula é crucial, uma necessidade que só encontra um paralelo na história contemporânea do mundo: a libertação de Nelson Mandela da prisão de Roben Island e a derrocada do regime do Apartheid na África do Sul. A liberdade política de Lula é uma das condições para o resgate da democracia brasileira.
O PT, nos seus 41 anos, por meio de sua militância, que nesse momento se renova e se amplia, seguirá presente nas lutas do povo brasileiro em defesa da vida, da democracia, da soberania nacional, do desenvolvimento sustentável, do combate à fome e à miséria, de renda, trabalho e salário dignos, em defesa da saúde e da educação.
Estaremos firmes no front pelo Fora, Bolsonaro e pelo seu impeachment, como forma de retomar a democracia brasileira e a defesa plena da vida do nosso povo!
Viva O PT!
Viva o Povo Brasileiro!
Paulo Pimenta é deputado federal (PT-RS)
Artigo publicado originalmente no Brasil 247