O jurista e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Júnior, afirmou durante audiência pública nesta quarta-feira (24) na Câmara que vários pontos do projeto de lei (PL 4850/16) que engloba as dez propostas de combate à corrupção – enviadas pelo Ministério Público Federal ao Congresso – representam um “retrocesso na tradição jurídica brasileira pós-ditadura, de respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão”. Segundo ele, propostas como a redução do alcance do habeas corpus, a facilitação da prisão preventiva e a eliminação dos embargos infringentes fragilizam o direito de defesa garantido pela Constituição Federal.
Convidado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) para participar da audiência pública da Comissão Especial que analisa o tema, o jurista e ex-reitor da UnB também criticou pontos da proposta que fortalecem excessivamente o poder do Ministério Público, em detrimento dos direitos fundamentais do cidadão.
“Acho louvável a iniciativa de propor ações de combate à corrupção, mas creio que é necessário salvaguardar a tradição jurídica do País construída após a redemocratização. A despeito do sistema jurídico ainda não funcionar a contento, não podemos nos precipitar e jogar a bacia com a água suja junto com a criança”, destacou o jurista.
Durante o debate, José Geraldo de Sousa Júnior disse que nem a justificativa de acelerar os processos penais fruto de corrupção no País serve como justificativa para relaxar os direitos fundamentais do cidadão (incluindo o direito a plena defesa). Para José Geraldo Júnior, adotar a redução da abrangência do habeas corpus como propõe o projeto – impedindo que seja expedido de ofício, e apenas por instância colegiada- pode perpetuar injustiças praticadas contra o cidadão.
“Não creio que atualmente o HC esteja sendo banalizado. Como já dizia o grande jurista Evandro Lins e Silva, o HC foi criado como instrumento de defesa da sociedade contra o autoritarismo”, destacou. Ele disse ainda que o afrouxamento das regras para a prisão preventiva e a eliminação dos embargos infringentes podem estimular uma onda de perseguição do Estado.
Citando ainda o renomado jurista Francisco Assis de Toledo, o ex-reitor afirmou que “existe hoje no Brasil a falsa crença de que somente se reduz a criminalidade com definição de novos tipos penais, o agravamento das penas, a supressão de garantias do réu durante o processo e a acentuação da severidade da execução das sanções”. Segundo ele esse tipo de pensamento apenas sacia os “delírios punitivos de alguns” e, se adotado, poderá levar ao “cometimento de injustiças e ao punitivismo perseguitório”.
Em uma repreensão direta aos formuladores das dez medidas de combate a corrupção, que embasam o projeto de lei 4850/16- e todos integrantes da força tarefa do Ministério Público Federal à frente da Operação Lava Jato- o jurista destacou que o legislador também precisa pensar no alcance social da lei.
“A lei não pode estar sujeita ao limite da cultura geral do formulador do direito, que muitas vezes não consegue enxergar o direito para além da letra fria da lei”, ressaltou José Geraldo de Sousa Júnior ao criticar os retrocessos que podem ocorrer com a redução das garantias fundamentais garantidas hoje pela Constituição.
Estado Fascista- Na mesma linha o deputado Paulo Teixeira criticou duramente a proposta de redução das garantias e direitos fundamentais, ainda que em nome de um suposto combate à corrupção.
“O que existe é uma disputa de poder, com o objetivo de fortalecer a acusação e o Ministério Público, e com a desculpa de evoluirmos no combate à corrupção. Mas corremos o risco (se aprovada a proposta) de erguermos um Estado fascista e autoritário. Se queremos separar o joio do trigo, eu queria que começássemos em outro patamar, sem a redução da abrangência do HC, com a possibilidade de recorrer de sentenças e com a garantia da proteção do Estado ao cidadão”, finalizou.
Héber Carvalho
Foto: Gustavo Bezerra/PTnaCâmara