Em artigo divulgado nesta segunda-feira (18), o coordenador do Núcleo Agrário do PT na Câmara, deputado João Daniel (SE), alerta que o projeto de lei (PL 2633/20), que trata da regularização fundiária, traz os mesmos erros da MP 910, que ficou conhecida como a MP da grilagem de terra. O projeto é o mesmo parecer da MP que caducou na semana passada e estará na pauta do plenário nesta quarta-feira (20). “Trocaram seis por meia dúzia”, criticou.
Na avaliação do deputado João Daniel, o prazo é extremamente curto para a apreciação de uma medida deste porte, “que apresenta graves problemas para o meio ambiente e para a concentração de terras no Brasil”. Ele assegurou que a Bancada do PT atuará sem “temor” e com “determinação”, em defesa da vida, da natureza e contra qualquer projeto que venha contra esses interesses.
Leia a íntegra do artigo
Trocar seis por meia dúzia: projeto de lei mantém a grilagem de terra da MP 910
Vencemos uma batalha, mas precisamos do esforço de todo mundo para vencer uma outra luta contra os latifundiários. Ao derrotarmos a Medida Provisória 910/19, impusemos uma derrota clara ao governo Bolsonaro e seus aliados, superamos, junto com toda a sociedade, o autoritarismo que vem sendo a marca deste governo e, mais ainda, a sua intenção clara de transferir o patrimônio público para a iniciativa privada e, neste caso, para o agronegócio.
A MP sofreu um bombardeio sem precedentes de todos os setores da sociedade, o que nos ajudou a vencer a batalha no Congresso, em especial na Câmara, pela sua inoportunidade, pois não caberia, num momento de crise sanitária que o País enfrenta, o governo pressionar a votação desta medida que regulariza terras públicas no Brasil inteiro, com critérios que só beneficiam os grandes fazendeiros, e que permitia a regularização de terras até de quem cometeu crimes ambientais, por desmatar áreas de proteção ambiental e devastar as áreas de reserva legal, previstas no Código Ambiental.
Trabalhamos, tanto no nosso mandato como no Núcleo Agrário da Bancada do PT na Câmara do Deputados, do qual sou coordenador, no sentido de sensibilizarmos todos os segmentos sociais que defendem o meio ambiente e a vida, no sentido de fazerem uma grande manifestação pelas redes sociais, único espaço seguro de atuação nesse momento, no sentido de apoiarem a decisão de fazer com que a medida perdesse o efeito. Conseguimos então uma grande vitória na semana passada com a sua retirada de pauta.
Mas os ruralistas não se deram por derrotados e convenceram o presidente da Câmara, mesmo deixando a medida caducar, a transformar em um projeto de lei (PL 2633/2020) o relatório apresentado pelo relator da matéria, dando um prazo de até a próxima quarta-feira, dia 20, para sua apreciação na Câmara. Prazo extremamente curto para uma medida deste porte.
A quem interessa esse projeto? O agora autor, antes relator da MP, deputado Zé Silva, diretor da Frente Parlamentar Ambientalista (FPA), diz que atende aos pequenos agricultores, como se a grilagem de terras pudesse interessar aos sem-terra, índios, quilombolas, extrativistas e todos aqueles que dependem de um pedaço de terra para plantar e viver. Como pode ser isso, partindo dos que querem mais terra do que já têm e pretendem com esse projeto avançar, sem cerimônia, sobre as terras da União?
Recebemos a missão da nossa Bancada do Partido do Trabalhadores de, como coordenador do Núcleo Agrário, trabalhar junto com todas as entidades que representam os povos do campo, das águas, das florestas e que atuam em torno da bandeira que considero a mais importante e mais justa, que é a defesa da vida e contra as injustiças. Atuaremos, sem temor e com determinação, em defesa da vida, da natureza e contra qualquer projeto que venha contra esses interesses.
O projeto apresenta graves problemas para o meio ambiente e para a concentração de terras no Brasil. Os seus artigos 13 e 15 estabelecem que “quando da vistoria para regularização fundiária, se constatar que ocorreu dano ambiental, como o desmatamento de área de reserva legal, a área poderá ser regularizada, bastando para isso que o proprietário faça adesão ao Programa de Regularização Ambiental junto ao órgão estadual de meio ambiente, sem mesmo começar a executar a tal regularização.
O artigo 38 do PL muda o marco temporal para a regularização das ocupações de terras da União, levando isso para 2016, quando o programa Terra Legal estabelecia 2008. Estas áreas poderão ser alienadas, preferencialmente aos seus ocupantes, mesmo que sejam proprietários de outros imóveis rurais até o limite somado de 2.500 hectares, pelo valor da tabela do Incra, 50% do valor de mercado. Ou seja, além de permitir regularizações para períodos de ocupação muito próximos aos dias de hoje, vende por valor irrisório e ainda aumenta o processo de acumulação de terras, aumentando o latifúndio com o beneplácito do Estado.
O texto ainda afronta decisão do Supremo (ADIN 4.269), estabelecendo a autodeclaração da ocupação, para efeito de regularização da terra, para seis módulos rurais, quando a decisão estabelece o limite de quatro módulos (variáveis em hectares, de acordo com a região). Ainda define que mesmo aquelas terras nas quais foram constatadas a utilização de trabalho escravo ou outros crimes ambientais, ao serem alienadas, poderão ser adquiridas pelos atuais ocupantes.
É importante chamar a atenção de que estas regulamentações valem para todas as terras da União em qualquer parte do Brasil, com repercussão em todos os estados. Assim, fica claro que este projeto é feito para os latifundiários, até porque, de certa forma, os pequenos agricultores, os assentados, quilombolas, extrativistas, indígenas têm leis específicas ou decisões judiciais que garantem os seus direitos.
Desta forma, continuamos a defender o que foi acordado e que neste período de votação remota os debates e decisões girem em torno da defesa da vida e dos assuntos de interesse da saúde pública, do combate ao coronavírus e da soberania nacional, pois não nos prestaremos a estar a serviço da grilagem ou daqueles que se colocam ao lado dos grileiros desse País.
Continuaremos a nossa luta contra toda a forma de apropriação do Estado brasileiro pelo capital, para não sairmos desta pandemia com o caos estabelecido em termos de soberania nacional – nossa defesa intransigente. Por isso estaremos atentos a esta tentativa de transferência de terras para o latifúndio, mas também contra as várias tentativas de entrega do patrimônio construído com os recursos de trabalhadores e trabalhadoras, como estão insistindo em fazer com a Eletrobras, Petrobras, Correios e com os serviços de abastecimento de água e coleta de esgotos.
O deputado federal João Daniel (PT-SE) é coordenador do Núcleo Agrário da Bancada do PT na Câmara