Para Habermas, a democracia deve ser o processo de deliberação numa sociedade marcada pelo pluralismo de interesses e opiniões. A negociação é o método de solução de conflitos; e a política, a arena onde ela acontece.
A crise da representação política põe em xeque o acordo como instrumento para a superação dos nossos problemas. Tendo em vista a diversidade de escolhas legítimas possíveis, a origem de boa parte dos nossos problemas reside no fato de a sociedade desprezar, junto com os políticos, a política.
Fraudes com a participação de autoridades desviam recursos que poderiam ser usados na melhoria do transporte público, construção de hospitais e melhorar a remuneração de professores. Os escândalos se sucedem e, apesar das manchetes, a malversação de dinheiro público não cede.
As denúncias não atingem o malfeito, mas provocam perigosa erosão na credibilidade das instituições. O Congresso só não perde para os partidos políticos no índice de confiança social. Apenas 29% confiam no Congresso. Muito ruim, ainda se considerarmos que nos EUA apenas 10% têm muita confiança no seu Congresso.
O problema é que esta perda de credibilidade está alimentando uma repulsa da política como método de mediação das diferenças. Na razão inversa, experimentamos uma sobrevalorização dos chamados especialistas.
Muitos acham que isso é uma vantagem. Afinal, os técnicos dominam determinado assunto e não têm compromissos com a política. De fato não disputam espaço na arena política, mas têm compromissos com as suas “verdades”, pelas quais lutam bravamente.
E ter uma visão parcial é apenas o menor dos defeitos dos especialistas. Sua maior limitação é não construir pontes entre as diversas “verdades”. A natureza do técnico é elaborar sua verdade e prová-la. A negociação é a especialidade de outro personagem — o político. Alguns políticos se especializam em educação, outros em saúde e outros em agricultura. Mas, na verdade, cada um deles cumpre o papel de estabelecer as mediações necessárias para fazer o grupo que representa dialogar com a sociedade como um todo.
Ao amaldiçoar a política e os políticos, a sociedade afasta do processo decisório o método da negociação. O resultado é a radicalização das posições e o empobrecimento do debate.
É este debate raso que nos leva a impasses como assistimos na superação da violência ou no financiamento da saúde. Um exemplo diverso foi na construção do novo Código Florestal, em que os negociadores entraram no circuito para fazer as necessárias pontes entre as “verdades” dos produtores e dos ambientalistas.
O desgaste do sistema representativo, que não é exclusivo do Brasil, precisa ser enfrentado, mas não em cima de mistificações. Se substituírem os políticos, vão descobrir que os desvios não nascem na política, mas no exercício do poder. No governo, militares praticaram nepotismo. No controle das manifestações, vândalos passam por cima dos direitos da coletividade.
*Cândido Vaccarezza é deputado federal (PT-SP)