Apesar de provisória, a gestão Michel Temer quer mudar a Carta Magna para limitar o crescimento das despesas do governo, restringindo inclusive gastos obrigatórios com saúde e educação. Para o advogado Marcelo Lavenère, as propostas de Temer aprofundam o golpe contra a Constituição, iniciado com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Segundo ele, o desmonte do pacto social de 1988, de forma a sujeitar a economia do país aos princípios do mercado, é a razão por trás do impeachment.
“As propostas do governo provisório se revestem da continuidade do golpe que foi dado contra a Constituição e a democracia. É um governo provisório e interino, que propõe mudanças profundas e definitivas na estrutura do governo, dos órgãos da administração, de modo que vejo com muita preocupação essa inversão de valores”, disse, em entrevista ao Portal Vermelho.
Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e coautor do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, Lavenère comparou a postura de Temer à de Itamar Franco, vice que assumiu com o impedimento de 1992. Segundo ele, no período de interinidade, Itamar se absteve de promover mudanças de curso na administração.
“Só quando definitivamente Collor foi afastado é que ele adotou medidas mais profundas e duradouras, de modo que a voracidade com que o atual governo interino avança sobre determinadas conquistas, direitos e garantias constitucionais deixam a sociedade civil muito preocupada, incomodada e insatisfeita com esse ataque. É praticamente uma política de terra devastada”, criticou.
De acordo com o advogado, Temer aplica um programa que tem como foco a desnacionalização da economia, com o objetivo de entregar setores importantes a empresas privadas e estrangeiras.
“Refiro-me ao petróleo, à previdência, ao SUS [Sistema Único de Saúde], à educação, às companhias aéreas, de modo que, nos vários setores da economia, estamos tendo uma desnacionalização, uma substituição dos organismos e empresas nacionais para atender à ganância e ao apetite incomensurável de empresas e organismos estrangeiros”, apontou.
Ele avaliou que, para além da economia, o Plano Temer ataca garantias constitucionais, direitos e programas sociais. “A Desvinculação das Receitas da União e a fixação de um teto para investimentos em áreas como saúde, educação e segurança, isso tudo compromete o futuro do nosso país, pela situação de extrema carência em que vão ficar esses setores”, lamentou.
Para Lavenère, por todos esses aspectos, o governo Temer “é leviano, de consequências imprevisíveis e poderá, em pouco tempo, desfazer e desconstruir um trabalho que vem desde a Constituição de 1988”.
Questionado se o motivo por trás do impeachment seria a implementação desse programa, ele disse: “[A razão do golpe] é desmontar a Constituição para tornar a economia e a administração sujeitas aos princípios do mercado. A política que o senhor Michel está implementando é ultraliberal e tem como principal objetivo a redução do Estado, terminando com a regulação dos vários setores da administração e da economia, sujeitando esses setores às regras do mercado, especificamente do mercado financeiro, rentista, que não produz riqueza – é o dinheiro gerando dinheiro”, condenou.
Depois de criticar a prevalência do rentismo sobre os investimentos produtivos, Lavenère defendeu que a fórmula aplicada por Temer é algo que “deu errado em outros países, como Grécia, Chile, Argentina, Portugal, e sujeita a economia brasileira a um período muito curto de sobrevivência”.
“É uma conduta predatória, insustentável, porque consome recursos naturais e não alimenta a própria máquina do capitalismo, porque substitui os investimentos industriais e produtivos pelo jogo financeiro, da banca, que não desenvolve a economia brasileira.”
O Plano Temer – Na Proposta de Emenda Constitucional que enviou ao Congresso, Temer estabelece um teto para os gastos públicos, que só poderão crescer no máximo o equivalente à variação da inflação do ano anterior. A iniciativa deve inviabilizar a vinculação constitucional de recursos para a saúde e a educação, bem como o atrelamento do piso dos benefícios da previdência e da assistência social ao salário mínimo. O governo propõe que esta mudança drástica na Carta vigore por 20 anos.
Recentemente, a gestão também aprovou no Congresso a ampliação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) de 20% para 30%, aumentando o deslocamento para outras áreas de recursos que a Constituição destina à seguridade social e à educação.
Temer defende ainda uma reforma da previdência que significará perda de direitos para os brasileiros, que praticamente terão que trabalhar até morrer. Além disso, o presidente interino já sinalizou a volta das privatizações e o apoio a mudanças na legislação trabalhista, que significam retrocessos em garantias conquistadas antes mesmo da Constituição de 1988.
Juristas pela Democracia – Crítico ferrenho do processo de impeachment de Dilma, Lavenère participou nesta terça (6) do I Encontro da Frente Brasil de Juristas pela Democracia, em Brasília. Na ocasião, advogados de todo o país discutiram medidas para impedir o ataque ao Estado de Direito e a consolidação do impeachment no Senado.
Segundo o advogado, entre as medidas que o grupo deverá implementar está a tentativa de reverter o apoio das seccionais e do Conselho Federal da OAB ao impedimento.
“Os juristas estão, em cada estado, mostrando que a OAB se equivocou ao apoiar o impeachment, porque já está provado que não existe crime. A perícia técnica evidenciou que as pedaladas não tinham relação com atos de responsabilidade da presidenta. Restaram três decretos de abertura de crédito suplementar, o que é absolutamente inconsistente para justificar um impeachment. A OAB deve então recuperar sua posição de defesa das instituições democráticas e a expectativa é de que possa dizer que esse impeachment não tem crime de responsabilidade e, portanto, é um golpe”, encerrou.
Site Vermelho
Foto: Pedro Ladeira