O presidente Bolsonaro lançou ontem dia 17 de junho, o ‘Plano Safra’ para a temporada 2020/2021. O Plano foi lançado num cenário econômico, social e político extremamente desafiador para o Brasil. Na economia, uma recessão de proporções gigantescas combinada com um quadro social desalentador beirando a catástrofe dado o crescimento da pobreza e da miséria junto com a aceleração descontrolada da pandemia. Porém, o Plano estava sendo aguardado com muita expectativa, pois, em contraste com as tendências do quadro econômico geral, o setor agrícola reúne condições para um grande ‘desempenho produtivo’ na safra 2020/2011, mesmo com a pandemia. No primeiro trimestre do presente ano, a agropecuária já deu mostras do seu relativo dinamismo. Enquanto o PIB do país declinou 1.5%, o da agropecuária cresceu 0.6%. O Ministério da Economia prevê alta de 2.4% no PIB agropecuário em 2020.
Mas toda a aposta no desempenho do setor vem do peso cada vez maior da atividade exportadora impulsionada pelo ‘fator China’ e de novos mercados abertos recentemente. Neste caso, reflexo de atitudes proativas de várias nações para fortalecer as respectivas estratégias de segurança alimentar ameaçadas pela pandemia. Não é à toa que no mês de maio as exportações do agronegócio somaram US$ 10.9 bilhões, constituindo record histórico para o mês. Da mesma forma, no acumulado janeiro a maio, o valor exportado foi o maior da história para o período: US$ 42 bilhões.
Contudo, para os agricultores familiares, que produzem os alimentos consumidos pelos brasileiros, o Plano anunciado foi um tremendo banho de água fria, como seria previsível com este governo federal. De início, demonstrando o desprezo por tais segmentos, de novo, não houve um Plano Safra para a Agricultura Familiar, o que ocorria desde o primeiro governo do presidente Lula.
Mas, desafiando a honestidade, a Ministra da Agricultura não poupou discursos afirmando que a grande marca do Plano seria o foco dado aos pequenos e médios produtores. Vejamos a consistência desse discurso.
A taxa de juros nos contratos de crédito com os grandes produtores diminuiu 25%, passando de 8% aa para 6% aa. Já os agricultores familiares mais vulneráveis tiveram redução nos juros de apenas 8%. Os demais agricultores familiares tiveram os juros reduzidos de 4.6% aa para 4% aa, ou seja, uma queda de 13%.
Um fato jamais verificado, é que mesmo os agricultores familiares mais pobres pagarão juros reais nos seus financiamentos, pois submetidos à taxa de 2.75% enquanto a taxa Selic está em 2.25% e a inflação acumulada nos últimos 12 meses até maio foi de apenas 1.88%. Os compromissos neoliberais do governo ignoram mesmo os setores mais vulneráveis da nossa população.
A grande prioridade conferida pelo ‘Plano’, sem dúvidas, são os grandes produtores rurais. Além de terem as maiores reduções nos juros, são esses agricultores que irão abocanhar a maior parte das subvenções ao setor dadas pelo Tesouro. O seguro rural que atende esses segmentos teve as subvenções ao prêmio aumentadas para R$ 1.3 bi. No ano passado os recursos para essa finalidade foram de R$ 440 milhões; passou para R$ 1 bi neste ano.
No lançamento do ‘Plano Safra’ anterior, o governo anunciou que atenderia demanda dos grandes produtores por um sistema privado de crédito para esses setores, de modo a reservar o crédito oficial para a agricultura familiar e os médios produtores. A promessa foi cumprida, com a edição da MP 897 de 2019 (MP do AGRO) convertida na Lei nº 13.986, de 2020. Contudo, os grandes passaram a contar com esses novos instrumentos irrigados por subvenções do Tesouro, e continuam não apenas participando, mas tendo prioridade na política de crédito rural oficial.
Outro destaque extremamente negativo do ‘Plano’ é a indiferença demonstrada pelo governo com a gravidade do quadro de ameaças ao abastecimento alimentar interno. O ‘Plano Safra’ não contempla nenhuma diretriz visando o incentivo da base produtora e a comercialização desses produtos. Ao contrário, consistente com as intensas atividades da Ministra em exportar qualquer coisa que brote das nossas terras, teremos a manutenção do apoio total às commodities para exportação. Vale destacar que somente os custeios da soja e do milho em 2019, produtos na maior parte destinadas para fora do país, consumiram 67% dos recursos totais de custeio para as lavouras. A Conab estima que na presente safra, mais de 88% das 250.5 milhões de toneladas colhidas serão constituídos desses dois produtos.
Portanto, o ‘Plano Safra’ deve ser comemorado, sim, pelos grandes produtores rurais dedicados à segurança alimentar de outros países. Mas, foi mais um exemplo de falta de compromisso do governo Bolsonaro com o povo brasileiro e com quem produz os seus alimentos.
Beto Faro é deputado federal (PT-PA)