Um judiciário náufrago?
por Paulo Pimenta*
Passados quatro anos desde que a Constituição de 1988 foi violada por um Golpe de Estado parlamentar, chancelado pelo Judiciário e apoiado pela grande mídia, o país mergulhou numa conjugação de crises.
Rompida a soberania popular com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, eleita em 2014, abriram-se as portas para a construção da chamada “Ponte para o Futuro” anunciada pelo vice-presidente conspirador, o golpista Michel Temer.
O país colheu desde então uma sucessão de catástrofes:
— o atropelo dos diretos trabalhistas com a abolição da CLT;
— a demolição da previdência pública e a entrega dos idosos à sua própria sorte, com a reforma do sistema de previdência social;
— o desemprego em massa e a precarização selvagem das relações de trabalho como regra para aqueles que ainda conseguem manter seu posto na indústria, na agricultura ou nos serviços;
— a recessão econômica com o pibinho de 1,5% em 2019 e a anunciada queda 9,7% no segundo trimestre de 2020.
Governo genocida
E mais:
— a degradação social, a criminalização da política, a guerra cultural como tática de governo;
— a matança sem tréguas dos jovens negros e pobres na periferia das cidades brasileiras;
— a devastação ambiental apoiada ostensivamente pelo ministro do Meio Ambiente.
Esse processo sinistro foi coroado desde março último pela maior calamidade sanitária da história do País: a pandemia de Covid-19, menosprezada pelo presidente da República como uma “gripezinha” e que contabiliza nestes dias o espantoso e inaceitável número de mais de 120 mil mortos.
O Brasil ficou mais submisso, mais pobre e mais desigual.
O ímpeto autoritário de Bolsonaro obedece a uma concepção que busca reduzir os instrumentos do Estado ao serviço das necessidades do clã e sua proteção contra inimigos reais ou potenciais.
Plutocracia e golpe
O ex-juiz que virou político Sérgio Moro caiu do pedestal onde fora exibido pela mídia corporativa, durante o período de preparação do golpe.
Caiu com algum ruído.
Afinal, não se pode, nem se deve, esconder um ex-juiz e ex-superministro com larga folha de serviços prestados tanto aos golpistas de 2016 quanto ao seu resultado imediato: a fraude eleitoral de 2018 que elegeu Bolsonaro.
Não custa lançar alguma luz sobre essa figura medíocre que se afasta para cultivar na sombra um eventual retorno como candidato a presidente da República. Assim se move a plutocracia brasileira.
O procurador Deltan Dallagnol procura sair de fininho… quanto menos ruído melhor, como antes dele, o procurador Carlos Fernando Santos Lima, um pioneiro em sair pela porta lateral… Um homem de visão… Escapou quando tudo ainda andava bem.
A Operação Lava Jato, a superprodução hollywoodiana vai, assim, perdendo pedaços… e deixando atrás de si um legado: uma subcultura de ação arbitrária dentro do Ministério Público.
Um órgão que deveria se ocupar da defesa dos interesses da sociedade, mas dedica a maior parte do seu tempo e recursos, em conluio com órgãos de inteligência estrangeiros, a mover ações contra adversários políticos e contra os interesses do Brasil.
Judiciário politizado
Assim funciona a Cosa Nostra. Seja no Ministério Público, seja no Judiciário: trabalha para proteger os seus, para que sigam a vida a salvo dos desconfortos de prestar contas pelos eventuais crimes que cometeram contra a sociedade e contra o país.
As absolvições ou anulações recentes de sentenças proferidas contra dirigentes do Partido dos Trabalhadores, em Tribunais de Recursos e Tribunais Superiores só confirmam o pântano em que a ação politizada do Judiciário, particularmente nos casos da Lava Jato, mergulhou o sistema de justiça do país.
O tempo se encarrega de desnudar a condução eivada de parcialidade de segmentos do Judiciário na condução daqueles processos.
Julgamento decente para Lula
Quinze anos depois do linchamento público e das condenações impostas, José Genoíno e Delúbio Soares foram absolvidos nos Tribunais de Recursos.
A judicialização da política, ainda que cometa atropelos como no caso do afastamento do governador do Estado do Rio, na última semana, foi levada a sentar-se no banco dos réus.
Na tarde de terça-feira última, o TRF- 1 absolveu o ex-presidente Lula de mais uma das ações que tramitavam contra ele.
O Judiciário brasileiro, se deseja se salvar do naufrágio e recuperar alguma credibilidade diante das sociedades civilizadas, deve um julgamento decente a este homem, encarcerado e impedido arbitrariamente de disputar, como favorito, a eleição de 2018, e também uma reparação pública àquela mulher, afastada de um mandato legítimo, sem ter cometido crime de responsabilidade.
E a frase de Rui Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”, nunca foi tão oportuna e atual…
* Paulo Pimenta é deputado federal e presidente do PT/RS.
Texto publicado originalmente no Viomundo
Foto: Ricardo Stuckert