De todos os temas em debate na agenda política, a Reforma Tributária é a expressão mais emblemática do conflito distributivo que polariza a sociedade brasileira e envolve na sua complexidade o pacto federativo e o projeto de nação.
No país que disputa com o Qatar o duvidoso título de campeão da desigualdade ou, dito de outra forma, da maior concentração de renda do mundo, mencionar, ainda que remotamente, a intenção de criar um imposto sobre grandes fortunas é quase uma afronta.
No Brasil, o 1% mais rico da população detém 27,8% da renda (Piketi).
Lemos na mídia durante a última semana que, em quatro meses da pandemia de Covid-19, enquanto os pobres do Brasil se ocuparam em sepultar quase 90 mil mortos, o patrimônio dos bilionários brasileiros cresceu R$ 180 bilhões (Forbes). Eles somam 42 pessoas.
No começo de abril, menos de três semanas depois de registrado o primeiro caso de óbito por coronavírus no País, o governo Bolsonaro/Guedes liberou R$ 1,1 trilhão destinado a socorrer… os bancos.
Se consultarmos os balanços publicados, não consta que qualquer deles estivesse ameaçado.
Depois de uma batalha contra a base de Bolsonaro/Guedes na Câmara Federal em torno do auxílio emergencial aos trabalhadores de baixa renda, a maioria dos parlamentares definiu por liberar R$ 124 bilhões em recursos extraordinários destinados a cerca de 70 milhões de pessoas.
A proposta inicial do governo do capitão-presidente era de oferecer R$ 200 por pessoa. A maioria da Casa votou por R$ 600.
É um cenário que expõe com clareza a sensibilidade e o compromisso do governo Bolsonaro frente aos interesses dos 1% mais ricos da sociedade e sua abissal indiferença diante dos direitos dos trabalhadores à proteção do Estado em um momento de calamidade sanitária nunca vista.
O Brasil perdeu, ao longo de mais de 30 anos desde a redemocratização, várias oportunidades de pactuar um sistema tributário que respeite o que determina a Constituição de 1988: a cobrança de impostos precisa respeitar princípios como a capacidade contributiva de quem paga.
As diferentes legislaturas e os Executivos correspondentes não foram capazes de regulamentar o artigo 153. E seguimos com um sistema tributário altamente regressivo.
Um dos principais mecanismos de manutenção e aprofundamento das criminosas desigualdades da sociedade brasileira é o sistema tributário, que despeja a maior parte dos tributos sobre os ombros dos mais pobres, concentrando a cobrança dos impostos sobre salários e consumo e desonerando generosamente o patrimônio dos mais ricos.
A proposta alternativa de uma Reforma Tributária Solidária e Sustentável formulada pelas bancadas do PT, PSOL, PSB, PDT, PCdoB e Rede, pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), oferecida à Câmara e Senado, em outubro de 2019, está estruturada em torno de sete eixos:
— tributação justa e solidária;
— sustentabilidade ambiental;
— proteção da saúde humana;
— preservação da seguridade social;
— financiamento da educação;
— restabelecimento do pacto federativo;
— desenvolvimento regional;
— simplificação e eficiência tributária.
A proposta oferecida por Paulo Guedes é tão limitada nas suas pretensões até aqui apresentadas que soa como uma manobra política para preencher de forma absolutamente precária a ausência do governo numa pauta tão relevante para o País.
O Brasil necessita de uma Reforma Tributária que contribua para promover equidade entre os cidadãos e cidadãs, elimine o parasitismo fundado no mercado de capitais e no rentismo, um segmento social que não se vincula nem aos demais contribuintes nem com o destino do Brasil como nação.
Seguiremos defendendo a proposta de Reforma Tributária Solidária e Sustentável ao lado dos partidos e organizações populares.
É uma reforma que se constitui em instrumento de justiça social e bem estar do nosso povo.
*Paulo Pimenta é deputado federal (PT/RS)
Artigo publicado originalmente no Viomundo
Foto: Gustavo Bezerra/Arquivo