O uso das forças armadas para reintegração de posse no campo, prometido pelo presidente Jair Bolsonaro à imprensa nesta segunda-feira (25), corresponde a um movimento para tentar criminalizar movimentos sociais.
A avaliação parte não só de representantes dos próprios movimentos, mas também de estudiosos e observadores das questões relativas ao direito à terra e à reforma agrária.
O presidente afirmou que estuda enviar ao Congresso Nacional um projeto prevendo a aplicação de ações da chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em situações de ocupação de terra.
O tema voltou ao debate nacional na semana passada com a apresentação pelo governo do novo projeto de lei que propõe a ampliação do excludente de ilicitude para militares que atuarem em operações de GLO.
Nas palavras de Bolsonaro nesta segunda, o uso da GLO no campo serviria “para chegar e tirar o cara da propriedade”, processo que, segundo ele, vem sendo protelado por governadores.
Os deputados petistas Paulo Teixeira (SP), Bohn Gass (RS), Alencar Braga (SP) e Carlos Veras (PE) se manifestaram nas redes sociais, e mostraram indignação à medida do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro.
Para Paulo Teixeira, Bolsonaro admitiu que sua insistência para aprovar o excludente de ilicitude é para conter protestos na bala. “É uma vergonha que o presidente não respeite o direito à manifestação e ainda queira aniquilar seus oponentes numa democracia.” Por sua vez, Bohn Gass chamou o governo de Bolsonaro e Paulo Guedes (ministro da Economia) de “incompetente”, porque não consegue fazer o Brasil crescer. E de “covarde”, pois tenta fazer o Brasil temer. “Fascismo não se discute. Se combate!”, orienta Bohn Gass.
Alencar Santana afirma que o “povo nas ruas e insatisfação popular se resolvem com projetos econômicos, diálogo e eleições democráticas. Mas para o governo Bolsonaro isso se responde com repressão e Exército reprimindo.” O deputado Carlos Veras ainda denuncia o caráter autoritário de Bolsonaro e sua equipe. “Um governo democrático não teme manifestações populares. O governo Bolsonaro quer que a gente se cale diante à autoritária retirada de direitos. O que é isso, outra intimidação? O Brasil não aceita mais uma ditadura, o governo precisa entender que não há saída fora da democracia”, alertou.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) também se manifestou em sua conta no Twitter: “Projeto de Lei de Bolsonaro que abranda punições de policiais e militares durante operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) pode servir para matar oponentes durante onda de manifestações no Brasil, tais quais ocorrem no Chile, Bolívia e Colômbia”, alertou a parlamentar.
Propriedade privada no campo
O professor de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gladstone Leonel Júnior, vê com preocupação a movimentação do governo.
Ele ressalta que as questões agrárias no Brasil são complexas e não podem ser resolvidas com ações ofensivas. Segundo ele, a tensão no campo já é grande no Brasil e tende a piorar com o tom bélico do presidente.
Gladstone lembra ainda que o direito à propriedade no campo precisa levar em consideração as funções sociais e não pode ser encarado de maneira absoluta, uma visão que, segundo ele, impede o desenvolvimento sustentável no campo e é inconstitucional.
“A partir do momento que o próprio presidente não observa a função social da propriedade e faz todo um discurso pautado na GLO e na defesa da propriedade de uma forma absoluta, algo que não existe mais há alguns séculos e a constituição não prevê, a gente vê essa quebra do estado democrático de direito de uma forma bem delicada e bem perigosa.”
Autoritarismo
O representante da coordenação nacional do Movimento dos Sem Terra (MST), Alexandre Conceição, ressalta que as afirmações do presidente Bolsonaro não surpreendem.
Segundo ele, a utilização da GLO para reprimir movimentos sociais é uma atitude ditatorial e o MST vai denunciar em fóruns de debate no Brasil e no mundo que o governo brasileiro constrói um arcabouço jurídico de criminalização dos movimentos sociais.
“Essa tentativa de GLO do campo é mais uma tentativa de Jair Bolsonaro de resolver um problema social, que por incompetência dele o governo não tem condições de resolver do ponto de vista econômico e do ponto de vista de amenizar a crise social que atravessa o Brasil.”
Rubens Siqueira, da Coordenação Nacional Executiva da Comissão Pastoral da Terra (CPT), avalia que as afirmações do presidente acirram a violência no campo, mas não surpreendem, diante da escalada de medidas que beneficiam os mais ricos e oneram os pobres.
Ele aponta ainda os riscos de se tirar dos governos estaduais a função de negociar reintegrações de posse e substituir esse processo pelo uso das forças armadas.
“Existe hoje um padrão de reintegração de posse, dialogada, com preocupação explícita com as famílias e as pessoas. Não é que esteja sempre sendo cumprido, mas existe, principalmente por parte de governos dos estados do Norte e do Nordeste. Querem deixar de lado isso para facilitar o uso da força e a violência legalizada contra os pobres do campo.”
Por PT na Câmara com Brasil de Fato
Foto : José Eduardo Bernardes-Brasil de Fato