Na primeira audiência pública da comissão externa que acompanha o enfrentamento das queimadas no Brasil, coordenada pela Professora Rosa Neide (PT-MT), que ocorreu nesta quarta-feira (30), pesquisadores, professores e especialistas apontaram a necessidade de o País investir em pesquisas para que as queimadas que afetaram mais 3 milhões de hectares da maior área alagada do planeta não aconteça mais. Eles defendem também a criação de um programa de recuperação e conservação de áreas atingidas por incêndios. Os expositores ainda cobraram participação efetiva do governo federal no combate imediato ao fogo no Pantanal.
“A cada ano a gente está perdendo mais e mais áreas úmidas. Foram 16% de área úmida que perdemos em 10 anos e, com isso, a gente pode observar que o Pantanal está encolhendo, com isso, a cada ano mais áreas estarão susceptíveis a ação do fogo, comprometendo a sua rica biodiversidade”, alertou o professor Dr. Claumir César Muniz, representante da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat).
Segundo Muniz, nesta que é a maior queimada da história, o impacto na fauna e na flora será imenso, o que agravará a situação de diminuição do bioma. Ele disse ainda que os incêndios seguem sem controle, especialmente na Reserva Ecológica Taiamã, localizada no município de Cáceres.
Para a pesquisadora da Unemat, Solange Ikeda, é urgente o empenho para reversão do processo de seca continua do Pantanal. Nesse sentido ela enfatizou a necessidade de a legislação alcançar as nascentes dos rios do bioma, como o rio Paraguai. “Hoje falta água no Pantanal para os animais e humanos. Precisamos restaurar as nascentes do planalto pantaneiro. Sem água não há pantanal”, afirmou.
Solange defendeu a criação de um “robusto programa de recuperação e conservação das nascentes do Pantanal”. Segundo ela, esse programa deve envolver todas as instâncias, desde o poder público até a sociedade civil. Para a pesquisadora, é preciso pensar em programas de restauração e de pesquisa de longa duração porque as circunstâncias apontam que é desse tipo de ação que o Pantanal vai precisar.
“Nós vamos ter que nos empenhar. Por exemplo, nesse momento, as comunidades tradicionais e as comunidades que vivem nas margens do Rio Paraguai e dentro do Pantanal estão pedindo água para beber, porque eles não se sentem seguros em utilizar essa água que já está com resíduo dos incêndios”, explicou Solange.
Para ilustrar a situação apontada por Solange Ikeda, a deputada Rosa Neide apresentou uma foto de uma das lagoas onde nasce o Rio Paraguai. “Essa é uma das sete lagoas que compõem a nascente do principal rio do Pantanal. Está localizada entre a cidade de Diamantino e Alto Paraguai. E como vocês podem ver essa nascente está toda desmatada e queimada”, afirmou a parlamentar.
O professor da UFMT e pesquisador do Pantanal, José de Sousa Nogueira, conhecido como Paraná, informou que a instituição possui vários grupos de pesquisa no bioma, porém falta estrutura para o trabalho. “Precisamos ativar o Instituto Nacional de Pesquisas do Pantanal (INPP). O Pantanal é um ser vivo. Como ele responderá a esses grandes incêndios? A ciência tem que dar essas respostas”, afirmou.
Dados alarmantes
Em sua exposição, o coordenador-substituto do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Alberto Setzer, apresentou dados de janeiro até 29 de setembro de 2020, que revelam um aumento de 195% no número de queimadas no Pantanal, em comparação com o mesmo período 2019.
“O aumento é de quase 200%, levando em conta que em 2019 já teve aumento de mais de 320% em relação a 2018. Em 2020 o número de focos já ultrapassou qualquer outro ano que tínhamos registrado na série histórica, desde 1998”, alertou.
O representante do Inpe disse ainda que imagens coletadas por satélite na segunda-feira (28) apontam que há vários quilômetros de frentes de fogo ativos no Pantanal. “Esse fogo deveria estar sendo enfrentado por centenas de milhares de brigadistas e não por pouco mais de 100 bombeiros e voluntários heroicos que temos hoje, mas que por serem poucos não conseguirão fazer frente”, denunciou.
Os incêndios sem controle no bioma tendem a piorar, isso porque, segundo a chefe da Divisão da Previsão do Tempo e Clima do Inpe, Izabelly Carvalho da Costa, não há previsão de chuvas para as próximas semanas. “E a previsão para os próximos 3 meses é de precipitações abaixo da média em toda bacia do Alto Paraguai e no Pantanal”, informou.
Ao se pronunciar, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) afirmou que a ação imediata que a comissão externa precisa executar é continuar cobrando a participação efetiva do governo federal no combate ao fogo. “Falta maior contingente de brigadistas e falta equipamentos. O governo federal precisa assumir sua responsabilidade para que fogo seja debelado imediatamente”, defendeu.
O deputado Merlong Solano (PT-PI) e o deputado Doutor Leonardo (SD-MT) cobraram maior efetivo das Forças Armadas no enfrentamento das frentes de fogo. “Cadê os brigadistas do exército e os aviões Hércules da força aérea? O governo federal ainda não chegou no Pantanal para liderar o combate às chamas”, denunciaram.
Manejo controlado do fogo
Além do combate imediato dos incêndios, com maior mobilização de brigadistas, o coordenador do PrevFogo do Ibama em Mato Grosso do Sul, Alexandre de Matos, destacou que o bioma precisa de políticas públicas a médio e longo prazo. “O uso do fogo para a atividade pecuária e para a conservação da biodiversidade é importante para o Pantanal. Mas é preciso regulamentar a partir de respaldo em pesquisas científicas. Não se pode ter fogo zero no Pantanal porque se não o problema fica maior”, alertou ao defender a aprovação de legislação que verse sobre o manejo controlado do fogo no Pantanal.
Para o pesquisador da UFMS, Geraldo Alves Damasceno, “o fogo controlado precisa ser regulamentado porque ajuda a limpar os campos nativos que são utilizados para o gado e isso reduz a quantidade de material orgânico que alimenta os incêndios”. Entretanto, o cientista que possui pesquisas sobre à resiliência da vegetação pantaneira ao fogo faz um alerta: “o fogo controlado no Pantanal é importante para o manejo, é remédio; mas incêndios fora de controle e nessa proporção que estamos vendo é um veneno para o bioma. Causarão impactos ambientais por décadas”.
Mudanças Climáticas
O pesquisador da Embrapa Pantanal, Walfrido Moraes Tomas, ressaltou que a atual situação do Pantanal está inserida no contexto das mudanças climáticas. Segundo ele, devido ao aquecimento global há previsão para o ano de 2070 de redução em 30% em média no volume de precipitações em regiões do hemisfério sul. “A Organização Internacional de Meteorologia fez previsão de secas extremas e ondas de calor para a América do Sul, Sul da África e Austrália, entre os anos de 2020 e 2025”, disse.
“Em relação ao Pantanal já temos uma redução no volume de chuvas de 25% em 2019 e 40% em 2020. Soma-se a isso temperaturas acima da média e seca, o que propicia cada vez mais a ocorrência de eventos extremos como grandes incêndios”, afirmou Walfrido.
O pesquisador citou ainda que a Embrapa tem feito um levantamento da quantidade de animais mortos no Pantanal devido aos incêndios de 2020 e os dados preliminares são assustadores. “O impacto na fauna será devastador”, afirmou. Ele defendeu a atualização da legislação e a criação de instrumentos de boas práticas para trazerem as comunidades do Pantanal, pecuaristas e povos indígenas e tradicionais para a lógica da preservação dentro da nova realidade de clima mais quente e seco.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) lembrou que o Brasil assumiu compromisso do ponto de vista internacional no debate das mudanças climáticas, do acordo do clima. “Então, nós precisamos dialogar com profundidade, fazer toda essa relação e ver como é que o Brasil se prepara para os desafios que estão colocados sobre mudanças climáticas. Acho que há necessidade de um debate mais aprofundado”, observou.
Investigação
Para o coordenador de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinícius Silgueiro, além da necessidade do combate imediato dos incêndios, da atualização da legislação ambiental e da construção de estrutura permanentes de combate ao fogo, é preciso investigar os responsáveis pelos incêndios e promover a responsabilização.
O ICV, segundo ele, já identificou a origem dos focos de incêndio no Pantanal de Mato Grosso. “60% dos focos de incêndio ativos em meados de agosto tiveram origem em nove pontos. Destes nove pontos, cinco são imóveis inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), imóveis de uso para agropecuária”, informou.
“A sensação de impunidade não pode continuar. No ano passado tivemos o dia do fogo na Amazônia. O que ocorreu? Houve responsabilização? O desmatamento e os incêndios são causados porque há uma sensação de impunidade. Isso não pode continuar desta forma”, argumentou.
O deputado Nilto Tatto corroborou a fala do coordenador do ICV e afirmou que a comissão externa precisa investigar “os incêndios criminosos” no Pantanal. Nesse sentido, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) disse que a comissão precisa ouvir a Polícia Federal, que tem em curso investigação de incêndios criminosos em propriedades privadas no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Por sua vez, o deputado Vander Loubet (PT-MS), disse que os parlamentares cobrarão da Polícia Federal a lista dos proprietários que colocaram fogo no Pantanal. “Não pode haver impunidade”, afirmou Loubet.
Os deputados Célio Moura (PT-TO), Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Professor Israel Batista (PV-DF), que compõem a comissão da Câmara e o coordenador da comissão externa do Senado, Wellington Fagundes (PR-MT), também participaram da audiência.
Políticas Permanentes
Ao final da audiência, a coordenadora da comissão externa da Câmara informou que dentro do tópico de políticas permanentes para o Pantanal, os parlamentares já estão trabalhando no aperfeiçoamento de dois projetos de lei que tramitam na Casa. O PL 9950/2018, de autoria do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que dispõe sobre a conservação e o uso sustentável do bioma Pantanal; e o PL 11276/2018, do Ministério do Meio Ambiente, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
A deputada Rosa Neide disse ainda que além de continuar cobrando a atuação imediata do governo federal no combate aos incêndios, o colegiado cobrará a implementação de estruturas permanentes de brigadas de prevenção e combate aos incêndios nos biomas brasileiros.
Agenda
Rosa Neide informou que o colegiado realiza audiência pública nesta quinta-feira (1º), com o tema “Movimentos sociais: trabalhadores rurais e urbanos, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais”. O evento está marcado para as 9h30.
Benildes Rodrigues e Volney Albano