Em artigo, o deputado Angelim (PT-AC) faz uma análise da necessidade de proteção do meio ambiente para a atual e para as futuras gerações, e da necessidade, igualmente imperiosa, de se realizar obras definidas como prioridade para o País. Ele chama atenção, entretanto, que a solução deste debate não passa pelo enfraquecimento da norma constitucional, flexibilizando a obrigatoriedade do licenciamento, como propõe a PEC 65/2012, do Senado Federal, em tramitação no Congresso Nacional, mas pelo estabelecimento definitivo de algum tipo de Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
“Quero conclamar a todos para unirmos forças no sentido de concluirmos o debate, de uma matéria controversa como essa, da melhor forma possível pois somente com muito debate poderemos alcançar um resultado que permita a viabilidade econômica dos empreendimentos, ao mesmo tempo que trilhamos o rumo do desenvolvimento sustentável”.
Debatendo o licenciamento ambiental
*Raimundo Angelim
Vamos tratar de um daqueles temas em que cada um tem sua opinião e todo mundo tem razão. De um lado, temos o compromisso ético e também a necessidade imperiosa, prevista em nossa constituição, da proteção do meio ambiente para a atual e para as futuras gerações, de outro, a necessidade, igualmente imperiosa, de realizarmos as obras definidas como prioridade por governantes legitimamente eleitos.
Vamos então tentar jogar um pouco de luz sobre os dois ângulos do problema, na esperança de que o bom senso prevaleça neste debate. Em primeiro lugar é preciso dizer, em alto e bom tom, que a PEC 65/2012 não deve prosperar, pela simples razão de que não será recuando nos preceitos constitucionais de proteção do meio ambiente que iremos desenvolver nosso país de forma sustentável, pelo contrário, agindo assim só iremos acirrar um problema que, como vemos, não é de fácil solução.
Desde o começo dos anos 70 que o Brasil vem construindo uma moderna legislação ambiental que serve de exemplo para o resto do mundo. A força do movimento ambientalista brasileiro e uma generosa produção e difusão de conhecimentos científicos associados ao tema, foram capazes de oferecer à nossa sociedade um robusto marco legal, que permite aos órgãos de controle e fiscalização atuarem de forma concreta.
Resultado disso é que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi assentado em nossa Constituição como um direito fundamental, indisponível, integrante das cláusulas pétreas de nossa Carta Magna, e é tão fundamental esse direito que o dever de defender o meio ambiente e preservá-lo é imputado ao Poder Público e à coletividade, incluídas aí as comunidades tradicionais, os indígenas, os quilombolas, os trabalhadores urbanos e rurais etc., que tem o direito de ser consultados e de participar ativamente dos processos.
Ao tentar subtrair etapas importantes do licenciamento ambiental e impedir que o Ministério Público e o Poder Judiciário, além do cidadão, possam adotar medidas preventivas ou corretivas no processo de execução de obras com impacto ambiental de magnitude, a PEC 65/2012, no meu entendimento, viola os princípios fundamentais do direito ao meio ambiente.
Quero aqui citar trecho de uma nota técnica emitida por um grupo de trabalho intercameral do Ministério Público Federal, composto por mais de uma dezena de procuradores federais, que adverte para as consequências da aprovação da emenda constitucional que ora discutimos:
“… pode-se concluir, sem sombra de dúvida, que a PEC 65/2012 subverte, a um só tempo, a função de um dos instrumentos mais importantes de atuação administrativa na defesa do meio ambiente – o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, bem como fulmina a estrutura técnico-jurídica em que se fundamenta o devido processo de licenciamento ambiental, com suas indispensáveis etapas (viabilidade ambiental, instalação e operação) para obras com significativo impacto ambiental, justamente aquelas para as quais a Constituição Federal expressamente exige o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, ao qual se deve dar publicidade.”
Ora, não é difícil imaginar neste nosso Brasil continental que um estudo de natureza tão complexa como é o EIA possa conter falhas graves que venham a causar danos irreversíveis ou que um empreendedor acabe atropelando o processo de licenciamento e se antecipando a uma ou outra das etapas, sem que a licença tenha sido concedida. É inadmissível que uma obra em tais condições não possa ser embargada. Mesmo que não haja 100% de certeza sobre o possível dano, o princípio da precaução nos manda agir mesmo com uma pequena dúvida.
Quero concluir esta primeira parte de minha argumentação mostrando que esta não é uma visão particular de nossa legislação, mas um princípio internacional, estabelecido no princípio 10 da Declaração do Rio, o documento final da Conferência Mundial do Meio Ambiente, a Rio-92:
“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”.
Vamos agora nos debruçar sobre o outro lado desta complexa questão, o lado do gestor público que deseja, e precisa, realizar uma obra que irá gerar benefícios duradouros, muitas vezes de caráter urgente, para toda a comunidade, incluindo-se aí comunidades muito distantes do local onde a obra irá se realizar.
Empreendimentos muitas vezes são fruto de compromissos de campanha ou de demandas originadas nas comunidades, que passaram pelo crivo de milhões de eleitores e que são incluídos nos orçamentos públicos pelas autoridades, aprovados pelos parlamentos, não raro com a participação ativa de representantes da sociedade.
E eis que um único agente público, muitas vezes imbuído dos melhores sentimentos morais, mas afetado por idiossincrasias, por princípios ideológicos ou por preferências políticas resolve, de uma penada, que aquela obra não deve se realizar e passa a adotar todo tipo de procedimento protelatório com o único e exclusivo objetivo de impedir a realização do empreendimento, mesmo que todas as exigências feitas tenham sido atendidas. A cada rol de diligências atendidas uma nova lista é apresentada, fazendo do licenciamento um verdadeiro tormento para o empreendedor, uma corrida de obstáculos que não termina nunca.
Então temos aqui um quadro em que diferentes agentes atuam com base em princípios bem estabelecidos, como são os princípios constitucionais que regem nossa democracia, que regulamentam a atividade econômica, a administração pública e os direitos humanos. Quando olhamos sob essa ótica, fica claro que a solução do problema não é enfraquecer os controles previstos na nossa Constituição, mas o contrário, a solução é regulamentar de forma clara e precisa todas as fases do licenciamento ambiental, de forma a fortalecer os controles e eliminar a subjetividade na ação dos agentes públicos envolvidos no processo.
A Câmara dos Deputados vem se debruçando sobre esta matéria há mais de uma década, resultando daí um vigoroso debate que chegou ao Plenário em março de 2016, na forma de um Substitutivo ao PL nº 3.729, de 2004, de autoria do Deputado Luciano Zica e vários outros parlamentares, dispondo sobre o licenciamento ambiental e regulamentando o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, pelo qual se exige, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental.
Ao PL 3.729 foram apensados outros treze projetos tratando do mesmo tema ou de matérias análogas. Destes, quero destacar, pela sua capacidade de sintetizar o debate e de propor soluções concretas e criativas, o PL nº 5.716/2013, do Deputado Alessandro Molon, que dispõe sobre os objetivos e competências dos órgãos licenciadores responsáveis pela avaliação e aprovação de estudos de impactos ambientais de planos, programas e projetos potencialmente causadores de significativa degradação ambiental, e dá outras providências. Tenho comigo aqui a relação completa dos projetos com a ementa de cada e os interessados podem me procurar que terei prazer em fornecer uma cópia.
O Substitutivo ao PL 3.729/2004, de lavra do relator da matéria na Comissão de Meio Ambiente, Deputado Ricardo Trípoli, busca oferecer uma proposição ampla, consistente e atualizada sobre o tema, bem como resgatar o que há de melhor em cada projeto de lei em tramitação. Sem entrar no mérito da proposta do Dep. Trípoli, que discutiremos no Plenário da Câmara tão logo seja possível, é importante ressaltar a necessidade do debate franco e da construção de compromissos realizáveis em torno da matéria.
Para mim está claro que a solução deste debate não passa pelo enfraquecimento da norma constitucional, como propõe a PEC 65/2012, do Senado Federal, mas pelo estabelecimento definitivo de algum tipo de “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”. Precisamos superar a visão do licenciamento ambiental como um entrave burocrático e impeditivo ao desenvolvimento, ou como mero mecanismo utilizado para angariar legitimidade social e política para a implantação de obras controversas. Pelo contrário, precisamos de uma Lei que se constitua num instrumento legítimo de planejamento econômico, social e ambiental, permitindo uma avaliação precisa, ágil e transparente da distribuição dos ônus e benefícios econômicos, sociais e ambientais advindos da implantação de cada empreendimento licenciado.
Neste sentido, quero conclamar a todos para unirmos forças no sentido de concluirmos o debate, de uma matéria controversa como essa, da melhor forma possível pois somente com muito debate poderemos alcançar um resultado que permita a viabilidade econômica dos empreendimentos, ao mesmo tempo que trilhamos o rumo do desenvolvimento sustentável.
*Raimundo Angelim é deputado federal (PT-AC)
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