PEC 241 desfaz as bases da inclusão social, mas sociedade vai cobrar a conta em 2018, avalia Jesse de Souza

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A PEC 241, chamada também de PEC da Morte, coloca em confronto duas soberanias. “Uma, que lida com os 200 milhões de brasileiros, que vão ser sufocados se a proposta for aprovada, e a outra, a soberania das elites financeiras, uma soberania que não é eleita, mas comprada”, avalia o cientista político Jesse de Souza, professor da Universidade Federal Fluminense. Para ele, o que está em jogo na tentativa de engessar o Orçamento público por duas décadas, como pretende a PEC, é “a captura da política e da sociedade brasileira para a reversão do pacto instaurado com a Constituição de 1988”.

“Foi com base nesse pacto e nas políticas distributivas mais recentes que o País pode retirar 40 milhões de pessoas da pobreza, excluídos que passaram para a classe trabalhadora precária, passaram a consumir e a ter empregos formais. Toda essa política de inclusão está em risco agora”, alertou o professor.

Jessé de Souza foi um dos debatedores na audiência pública promovida na terça-feira (11) pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado para discutir a proposta de emenda à Constituição (PEC 241/2016). A medida pretende congelar os investimentos públicos ao longo de duas décadas, a pretexto de conter a crise fiscal.

Para o professor Jessé, a PEC 241 é uma das expressões de uma concepção que desfaz as bases da inclusão social. As políticas sociais de anos recentes foram pequenas, mas representaram “uma pequena revolução”, mas não desmontaram o Estado escravocrata, a naturalização da desigualdade, o desprezo pelos pobres. Esse Estado excludente quer voltar a dominar a cena.

O Estado excludente, porém, já não é mais controlado pelo capitalismo industrial — dominante especialmente de 1945 a 1975 — que  tinha uma lealdade nacional e interesse que a sociedade tivesse algum tipo de prosperidade, para que a classe trabalhadora pudesse comprar seus produtos. A nova elite protagonista tem outra essência. “A elite financeira não tem a mesma lealdade nacional da elite industrial, já que ela pode investir o seu lucro em outro mercado. Eles podem simplesmente mudar de país, fazer a rapina via juro”, explicou o professor.

Essa possibilidade de levar seu negócio a qualquer lugar do mundo coloca a elite financeira numa posição de chantagear o Estado: se não são cumpridas suas demandas, ela leva o dinheiro para outro país, investe em outro mercado. Essa é uma transformação estrutural. Além disso, a elite deixa de contribuir para o financiamento do Estado e das políticas públicas por meio dos impostos—como acontecia com o capital industrial—e passa a financiar essas políticas por meio de empréstimos, cobrando juros. “Passamos do Estado fiscal, que cobra imposto, para o Estado devedor”.

Eis aí o fundamento da PEC 241: cortar investimentos públicos em saúde, educação e outras políticas fundamentais para a população de modo a economizar para o pagamento dos juros aos especuladores — à elite financeira. No Brasil, ressalta Jessé de Souza, isso é uma piada de mau gosto: “Quem arca, em 53%, com a carga fiscal do Estado brasileiro são as pessoas que ganham até três salários mínimos – e a Fiesp botava o pato,  dizendo que ia pagar o pato. Quem paga o pato é o pobre”.

Outro ponto destacado pelo cientista político é a presença dos tentáculos da nova elite nas diversas esferas da vida nacional. Por exemplo, no Parlamento—inclusive por meio do financiamento de campanhas—e na imprensa. “É uma rearticulação da forma como a política passa a ser conduzida, que implica desprestígio do Parlamento. A grande imprensa passa a decidir as grandes questões políticas e o Parlamento passa a ser uma instância de ratificação apenas”. Jessé de Souza ressalta que essa grande imprensa é, em geral, controlada pelo capital financeiro.

O Estado brasileiro deve servir aos 200 milhões de pessoas que vivem no Brasil. “Os senhores foram eleitos por essas pessoas”, lembrou o professor aos senadores. Mas quem manda no País, de fato, são poucas famílias estrangeiras e nacionais que controlam a forma como as questões são percebidas e que dizem o que o sistema político pode ou não decidir.

Para ele, essa é a única saída para um País onde 70% das pessoas não têm privilégio algum. Jesse de Souza discorda  de que a inclusão promovida nos anos recentes tenha se dado apenas pelo consumo. “Foi um investimento que envolveu acesso a capital cultural, a conhecimento. Por exemplo, no acesso à universidade, onde as matrículas saltaram de 3 milhões para 8 milhões de estudantes”.

Uma capacitação que muda o patamar: “Quem não incorpora conhecimento tem de vender a sua força de trabalho como tração muscular, nem sequer é explorado de modo racional”. Um país que se rende a esse modelo não tem futuro. “E é exatamente o que está em jogo aqui”.

Outro aspecto da PEC que precisa ser olhado com atenção é a usurpação de atribuições. “Não consigo entender a inteligência da classe política nisso, porque ela está abdicando das suas funções. O que é que vocês vão fazer depois da aplicação dessa medida? Vocês vão gerir o quê? O Orçamento já está montado, já está dito para quem vai, para o bolso de quem vai”, cobrou o professor dos senadores.

Para Jessé de Souza, aposta no curto prazo é fruto da pressa do atual governo e de seus apoiadores. O cientista político acredita que 2018 não vai ser igual a 2016, o ano do impeachment, e que rapidamente os efeitos da PEC serão sentidos e cobrados pela sociedade, que vai saber quem votou e quem não votou a favor dela.

“As ambiguidades da Lava Jato vão ficar muito explícitas daqui por diante. Em 2018, haverá um outro quadro e os eleitores vão saber quem votou para ela e quem votou para os grandes bancos”.

(Cyntia Campos/PT no Senado)

 

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