Em outubro vamos comemorar os 25 anos de promulgação da Constituição Federal. Nada mais oportuno, portanto, do que dialogar e reafirmar o significado democrático da nossa maior norma legal e sua importância para o contexto civilizatório atual.
A democracia seria uma palavra tênue, frágil, vulnerável se ela não tivesse sido construída ao longo de lutas, guerras, violências, manifestações, prisões, torturas, vitórias e derrotas. A democracia, esta construção coletiva contraditória, mas cumulativamente libertadora, é a melhor experiência da humanidade. Ela está fincada em dois elementos centrais: a afirmação dos direitos e o princípio da soberania popular.
Em 1988, o trabalho constituinte foi centrado na elaboração de um texto legal de afirmação dos direitos e garantias. O resultado desse esforço foi denominado pelo saudoso Deputado Ulysses Guimarães como Constituição Cidadã. No artigo 5º ficam definidas as cláusulas pétreas que consolidam a supremacia dos direitos individuais, vários deles derivados da luta de toda a humanidade. Os direitos individuais nasceram cumulativamente de conquistas como a guerra da Independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa de 1789 ou a carta dos direitos do cidadão, após a vitória contra o nazifascismo. Ao longo da história, foi o caminhar da humanidade que trilhou essa universalidade de direitos e garantias individuais que temos hoje.
A nossa Constituição manteve esse legado e deu a sua contribuição para que os direitos individuais fosse atualizados e consolidados para as condições do nosso país. Naquele momento também representou um ato da soberania popular, reunida em assembleia nacional, deliberando majoritariamente sobre o ordenamento jurídico e institucional.
Participei ativamente do processo constituinte e defendi, com convicção, o direito das mulheres, dos negros, dos índios, dos homossexuais, das minorias. Direitos que afirmam a dignidade do ser humano enquanto sujeito da sua história.
É por isso, por coerência, que nestes 25 anos defendo o direito da mulher optar pela interrupção da gravidez, conforme resolução do Conselho Federal de Medicina; o direito à união civil entre pessoas do mesmo sexo; o direito às cotas; o direito da população indígena; o direito de opinião e do contraditório ou o direito positivo em relação à luta pela igualdade racial. Qualquer forma de preconceito, de raça, de sexo, de gênero, de qualquer tipo, deve ser enfrentada.
A universalidade que a humanidade constrói na sua experiência histórica parte do princípio de que os seres humanos não são objetos, não são coisas, não são números. Os homens são portadores de paixões, de vontades, de prerrogativas e de direitos. Os direitos individuais são promotores da liberdade e da emancipação porque abrigam uma conquista verdadeiramente social, aplicada à todos.
Cabe ao Estado garantir esses direitos. Através de adequadas políticas públicas, de garantias constitucionais, pela justiça, na proteção ou uso do aparato institucional, cabe ao Estado garantir que a universalidade dos direitos e garantias individuais seja exercida na plenitude.
É por isso que o diálogo, o entendimento e a tolerância precisam ser valorizados. O caso contrário é a intransigência, o sectarismo e a violência. Sem diálogo partimos para o fundamentalismo maniqueísta. Este fundamentalismo é empobrecedor pois sequestra a lucidez, porque é o sim contra o não, é o bem contra o mal.
Só através da tolerância é que podemos construir uma sociedade pluralista, generosa com suas contradições, enriquecida pelas diferenças. O direito à diferença é civilizatoriamente importante porque ela existe e o seu reconhecimento inaugura novos e avançados direitos. A diferença está presente, queiramos ou não. Então, respeitar o outro, garantir o direito à pluralidade e reconhecer o outro como portador de direitos e prerrogativas é vital para que tenhamos, todos, uma experiência social com foco na emancipação.
Qualquer tipo de fundamentalismo conduz a história para um beco sem saída. Um caminho sem volta. Vejam o que está acontecendo no Oriente Médio! Vejam o que está acontecendo em alguns países da África! Vejam o que está acontecendo com a política que trata o outro como inimigo. Essa política só pode ser resolvida na guerra pela morte e na justiça pelo desterro. Esse é o trágico caminho da barbárie pós-moderna que precisa ser evitado.
Por isso, reafirmar, proteger, materializar, avançar e regulamentar os direitos e garantias individuais é fundamental. É isso que orienta, a cada dia, a cada passo, uma visão civilizatória, uma visão humanista, porque reafirma os direitos do ponto de vista material — emprego, comida, trabalho, moradia, saúde, educação — e o direito imaterial da igualdade, de não ser discriminado ou excluído por orientação sexual, pela relação entre homem e mulher, pela cor ou pela condição econômica.
Precisamos valorizar o passado, olhar para a frente e perseguir uma sociedade onde a igualdade seja uma prática cotidiana.
José Genoino é Deputado Federal PT/SP