É fato que Bolsonaro não tem o menor respeito pelo cargo que ocupa e protagoniza situações indignas para um presidente da República, mas é preciso entender que, por trás de suas ações que muitos consideram bizarras e desrespeitosas, existe um método. Esse modus operandi está diretamente vinculado – ou até depende disso – ao papel das redes sociais no mundo de hoje, que vem sofrendo transformações ao longo do tempo em relação à expectativa que se criou quando de sua implantação.
A internet surgiu como uma promessa de democracia do conhecimento, pela facilidade de acesso instantâneo ao conhecimento em todas as áreas. No entanto, embora a web tenha aberto oportunidades, dando voz a grupos marginalizados que não tinham espaço nas estruturas convencionais de informação, ao mesmo tempo tornou-se o veículo de propagação de ideias obscurantistas, de mentiras e as chamadas pós-verdades que, mesmo facilmente desmentidas pelos fatos, adquirem credibilidade.
Esse aspecto nefasto das redes adquire um gigantesco papel nas relações políticas que acaba comprometendo a própria democracia. Os exemplos são muitos: a campanha pelo Brexit na Grã Bretanha, a eleição de Trump nos Estados Unidos e a ascensão de Bolsonaro no Brasil. O retrocesso de conquistas em todo o mundo e a avanço da extrema-direita em vários países estão, via de regra, relacionados ao uso da internet como instrumento de manipulação.
As informações circulam mais rapidamente do que o cidadão pode absorver ou refletir sobre elas. O uso das fake news tem se mostrado indispensável no projeto de poder da extrema-direita de conquistar corações e mentes. Bolsonaro é a personificação deste projeto. O Brasil de hoje assiste a um desfile de atos desprezíveis e declarações irresponsáveis, acompanhadas de ataques vis a pessoas e instituições por parte de um presidente despreparado, autoritário e fascista, que propaga a intolerância contra seus adversários, manipula a religiosidade de parte do povo contra seus adversários e faz a apologia das armas, do ódio e da difamação.
Mesmo assim – e de forma preocupante – aparece com boa avaliação nas pesquisas de opinião, conservando o apoio de um terço da população, o que não é pouco.
As fake news disparadas de forma assustadora por seus apoiadores trata de disseminar versões nas quais ele aparece como salvador do país e dos valores da Nação, de um lado, e vítima das estruturas institucionais, de outro.
As maiores sandices são divulgadas no ambiente movediço da internet, sem qualquer controle de conteúdo, e assimilados por parcelas da população com pouca capacidade de questionamentos – mamadeira de piroca, kit gay, marxismo cultural, criacionismo, terra plana, antivacina, menino veste azul e menina veste rosa, e toda a sorte de aberrações que conduziram Bolsonaro à Presidência da República.
Bolsonaro é machista, misógino, fascista, xenófobo e racista, ofende mulheres, negros e índios, elogia ditadores, defende a ditadura, é contra medidas de proteção ao meio ambiente e mantém estreita relação com as milícias, embora negue. O que isto significa para parte do povo empobrecido e explorado do nosso país, imerso em problemas de sobrevivência, tendo que lidar com o desemprego, a perda de direitos, a uberização do trabalho e a crise que afeta a todos, especialmente os mais pobres?
Não podemos fugir da denúncia das ações de Bolsonaro e dos valores que ele diariamente pisoteia, mas precisamos considerar que estamos diante de uma armadilha determinada pela agenda difusa, caótica e mutável proposta por ele. A postura do presidente busca provocar reações da oposição quanto aos temas propostos em suas atitudes, desviando o foco do mundo real, ou seja, dos efeitos da desastrosa política econômica conduzida por Bolsonaro e Guedes. Por vezes, nos comportamos de forma reagente à pauta midiática do governo criada nas redes sociais e repercutida na grande mídia.
Como escapar desta armadilha que desperta nossa obrigação moral em relação a direitos universais? Como não ser capturado por essa provocação contínua sobre temas como dignidade, cidadania e liberdade?
Não se trata de ignorar essa pauta, mas, sim, subordiná-la à agenda econômica que, esta sim, é capaz de colocar o governo na defensiva e mobilizar a população como um todo.
O objetivo de Bolsonaro nós conhecemos: vender o patrimônio público e propor uma enxurrada de mudanças sociais, econômicas, culturais e regulatórias que buscam o desmonte das estruturas públicas, especialmente dos avanços sociais e econômicos garantidos pelos governos Lula e Dilma.
Temos que esclarecer à população sobre a transferência de renda dos mais pobres aos mais ricos. Mostrar ao país que milhões de brasileiros voltaram à pobreza e passam fome na fila do Bolsa Família, o desespero dos idosos aguardando sua aposentadoria, a morte de crianças pela falta de saúde pública e pela extinção do programa Mais Médicos.
Explicar de que forma o dólar alto inviabiliza negócios, gera inflação e facilita a venda do patrimônio nacional a preços aviltados, desnacionalizando nossa economia; que a gasolina a preço recorde afeta a economia e, principalmente, os de menor renda; que o alto custo do gás de cozinha atinge os mais pobres. Lembrar que, ao contrário, em nossos governos abríamos oportunidades, distribuíamos renda e reduzíamos a pobreza.
Essa é a disputa que devemos eleger como prioridade de nossa ação política, pois só assim faremos a disputa de projetos no mundo real que é onde sofre o povo brasileiro.
Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS)
Artigo publicado originalmente no site Sul 21