O Estado brasileiro não é capaz de proteger as vidas negras e periféricas. Pior do que isso – há muito tempo tem sido responsável pela morte de homens, mulheres, jovens e até crianças, quase sempre negras, nas periferias das cidades brasileiras. Fossem casos isolados, não aconteceriam com tamanha frequência, ou teriam um alvo tão definido.
Os 1000 dias da morte de Marielle Franco, ainda sem respostas e a morte de duas meninas, uma de 4 e outra de 7 anos, assassinadas brutalmente enquanto brincavam na frente de suas casas, na última sexta-feira, em Duque de Caxias (RJ), não deixam dúvidas. Após as eleições municipais de 2020, mulheres negras ou da comunidade LGBTQI+ eleitas, prefeitas ou vereadoras, seguem sofrendo ameaças, tal qual aconteceu com Marielle.
No caso das crianças de Duque de Caxias, a Polícia fala em “bala perdida”, mas o termo não poderia ser mais cruel, porque se a origem da bala é colocada em dúvida, seu destino é quase sempre o mesmo – um corpo negro. E se o Brasil não fosse tão racista, elitista e patrimonialista, jamais permitiria que uma ação policial sequer colocasse em risco a vida dos cidadãos, mesmo que o disparo não venha a ser efetuado por uma força policial. Mas chegamos num tal nível de degradação que passamos a aceitar que algumas vidas sejam matáveis e admitir que o Estado possa decidir quem pode viver e quem deve morrer.
A nossa história e todas estas vidas perdidas violentamente, parecem provar que o racismo mata mais do que a pandemia de Coronavírus. Para começar, negros e negras têm maiores chances de vir a óbito por Covid do que homens e mulheres brancos, o que já mostra o impacto do racismo em nossa sociedade em tempos de crise. Um segundo ponto é que, cedo ou tarde, a pandemia vai passar, o racismo, por outro lado, ainda não deu sinais de arrefecimento.
Ao contrário – ele está por toda a parte, desde o discurso do presidente até na postura do Estado lá na ponta, quando não garante os direitos mais básicos para as comunidades, que só veem sua faceta mais violenta e cruel, a partir de ações policiais truculentas e inconsequentes. Ele também habita os corações e mentes de uma parte abastada da sociedade, branca, de classe média e alta, que poderia colaborar imensamente na transformação deste quadro, dizendo que basta, que não aceita mais viver na pré-história, mas infelizmente parece indisposta a defender seus semelhantes.
Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP)