O despertador toca às 6 da manhã de uma quarta-feira de 2083 e minhas filhas vem correndo e pulam na minha cama, felizes porque vão poder passar mais tempo com o pai, já que a jornada de trabalho foi reduzida de 30 para 20 horas semanais. “Puxa, papai, fico imaginando como era na época dos seus avós, que trabalhavam às vezes 6 ou 7 dias por semana”, pondera uma delas, de apenas 5 anos de idade. “Pois é, minha filha, e não é só isso, eles passavam muito mais tempo no trabalho do que com a família e com os amigos. O pior é que não havia emprego pra todo mundo e quem não trabalhava, não tinha nem o que comer e muitas vezes, nem onde morar.”
“As pessoas não tinham casa, papai? Mas eu vejo fotos e vídeos daquela época e parece que muita gente morava em verdadeiros castelos.”, questiona a mais velha, de 10 anos. ”Parece inacreditável, querida, mas o meu avô sempre contava que, enquanto alguns tinham uma vida de luxo, outros catavam comida do lixo”. “Puxa, pai, mas essas pessoas que viviam no luxo não podiam dividir um pouquinho com estes que não tinham o que comer?”, provoca a mais nova. ”Não sei, minha filha. Seu avô e sua avó não eram ricos e dizem que naquela época, havia muita discriminação”.
“Discriminação? Como assim? O que é discriminação?”, indagam as duas em coro, como se tivessem ensaiado. ”Pelo que eu entendi, tinha gente que se achava melhor do que os outros, que tratava alguém mal por ser mulher, por ser indígena, negro ou pela sua orientação sexual”. Tentei explicar de uma forma bem simples, mas confesso que isso parecia tão absurdo, que eu mesmo não estava seguro da resposta. “Papai, isso lá é explicação? Nós continuamos sem entender, não é Ligia?”, perguntou a Julia para a irmã mais nova. “É, papai, acho que isso não faz sentido mesmo”, retrucou a mais nova.
Toca o despertador e eu acordo. São 6 da manhã de uma quarta-feira do ano de 2023. Estou em Brasília, exercendo meu terceiro mandato de deputado Federal. Ao contrário do meu sonho, minhas filhas já estão crescidas, uma com 27 e outra com 32 anos, trabalhando juntas por um mundo melhor. Eu me preparo para ir ao Congresso para fazer o mesmo, seguro de que no futuro viveremos em um País mais justo e sustentável, mas isso depende do que faremos hoje.
Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP)