Nilto Tatto denuncia ao MPF interferência de ex-membros do governo Bolsonaro para impedir moradias populares em São Sebastião

Casas em risco e soterradas em São Sebastião. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O deputado Nilto Tatto (PT-SP) entrou com uma representação criminal no Ministério Público Federal contra o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Guimarães, o ex-secretário de Comunicação do Governo Bolsonaro Fábio Wajngarten e o ex-ministro do Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto. Os três são acusados de influenciarem na reprovação do projeto de construção de um conjunto habitacional proposto pela prefeitura de São Sebastião (SP), em 2020. O objetivo da obra era retirar famílias pobres de áreas de risco. Em 19 de fevereiro deste ano, as maiores chuvas da história do País resultaram em enchentes e deslizamentos de terra nessa região, causando até agora 64 mortes e deixando 1.172 pessoas desabrigadas.

Deputado Nilto Tatto. Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Na ação, apresentada por Nilto Tatto após ouvir representantes da população atingida pelas chuvas, o deputado lembra que o próprio prefeito da cidade de São Sebastião tornou pública a informação de que a Associação Somar (Sociedade dos Amigos de Maresias) – localidade de alto poder aquisitivo na cidade do litoral norte paulista – havia boicotado a construção das habitações populares na região. O parlamentar destaca que o projeto fazia parte do programa Minha Casa, Minha Vida, destinado a famílias com renda mensal de até R$ 1,8 mil.

Segundo informações relatadas pelo prefeito e amplamente divulgadas pela mídia, um abaixo-assinado foi organizado pela associação para impedir que o projeto avançasse e até uma ação foi impetrada na justiça contra a lei que designava uma área de 11 mil m² para a construção das residências populares. Dentre os vários questionamentos da associação estavam uma suposta “desvalorização imobiliária” no entorno da implantação do conjunto habitacional e ainda cobranças sobre o “esquema de segurança” da prefeitura para o local devido a “faixa salarial de um a três salário mínimos” dos futuros moradores da região.

Participação dos acusados no caso

O parlamentar detalha na representação que foram realizadas reuniões com membros da associação Somar visando impedir a realização do projeto. Em uma delas, no dia 9 de janeiro de 2020, houve a participação do ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro. Em um vídeo gravado na reunião, e divulgado pela imprensa, Fábio Wajngarten disse que entendia a preocupação dos moradores e informa que teria contatos em Brasília, dando a entender que poderia interferir no caso.

“Enquanto eu estiver em Brasília, usem a minha posição lá. Utilizem meus contatos. Essa história da habitação, das casas, o Eliseu me endereçou há uma semana, perto do Réveillon. Eu liguei para o presidente da Caixa Econômica para saber se era verdade que o governo federal estava envolvido nisso. O presidente da Caixa não estava nem sabendo disso”, disse Wajngarten.

O deputado Nilto Tatto ressalta na ação que o projeto da prefeitura de São Sebastião foi vetado no mesmo dia de sua apresentação, “prazo recorde para avaliação de um projeto pela Caixa Econômica Federal”, e apenas quatro dias após a reunião da qual o ex-secretário Wajngarten participou.

Documentos obtidos pelo jornal O Globo provam que a Caixa alegou ausência de “disponibilidade orçamentária” do então Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado à época por Gustavo Canuto, para custear a construção das unidades da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida.

Crimes cometidos

O deputado Nilto Tatto aponta na representação ao Ministério Público que o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, o ex-secretário de Comunicação do Governo Bolsonaro Fábio Wajngarten e o ex-ministro do Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto incorrem na prática do crime de improbidade administrativa ao atentarem contra o que diz o art. 37 da Constituição Federal e o art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

O dispositivo constitucional apregoa que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. O parlamentar lembra que, ao tentar interferir na decisão da desaprovação de um projeto habitacional financiado pela Caixa Econômica e regido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, Fábio Wajngarten utilizou-se do cargo para benefício próprio, uma vez que também possuía casa na região de Maresias.

Na representação, o parlamentar lembra ainda que o Art. 117 da Lei 8.112/90 afirma que “ao servidor público é proibido”, entre outros pontos, “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”. O autor da ação diz ainda que, diante da concretização da desaprovação em tempo recorde do projeto habitacional popular, a conduta do então presidente da Caixa e do Ministro do Desenvolvimento Regional do governo Bolsonaro também precisam ser investigadas.

Pedido ao Ministério Público

“Isto posto, diante das ilegalidades narradas, resta evidente que o ex-Presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Duarte Guimarães, o ex-Secretário de Comunicação do Governo Bolsonaro Fábio Wajngarten e o ex-Ministro do Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto, violaram o ordenamento jurídico pátrio, ao influenciarem na reprovação do projeto de construção de 220 imóveis de um conjunto habitacional popular proposto pela prefeitura de São Sebastião no ano de 2020, razão pela qual torna-se imperativa a instauração de procedimento por este parquet [corpo de membros do Ministério Público] para apurar a responsabilidade civil, administrativa e criminal dos gestores envolvidos, sem prejuízo da investigação dos demais eventuais responsáveis”, diz Nilto Tatto na representação.

Participação social

Na última segunda-feira (27/2), o deputado Tatto promoveu reunião com diversos representantes da população e assessores do mandato para buscar mais informações sobre o tema. “Nosso mandato ouve diretamente a população atingida, de São Sebastião, construindo uma posição com participação social”, disse.  A assessoria do Ministério do Meio Ambiente também acompanhou o encontro.

Leia abaixo a íntegra da representação:

Representação – Tragédia São Sebastião

Héber Carvalho

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