Como de costume, o mês de março chegou trazendo fortes chuvas, especialmente em parte das regiões centro-oeste e nordeste e quase toda a região sudeste do Brasil. Imortalizadas na célebre canção “Águas de Março”, tais chuvas deixaram sua faceta romântica e bela apenas na versão musicada, enquanto na vida real, têm trazido contornos dramáticos.
O que se pode dizer quando um fenômeno, fundamental para a vida no planeta, passa a trazer destruição e morte ao invés de esperança e vida? O que de fato fez da chuva, essa dádiva divina, algo que passou a inspirar tanto medo? Dialogam entre si, ao menos duas boas explicações para este fenômeno: o racismo ambiental e as emergências climáticas.
O racismo ambiental parece um conceito novo, mas está fundamentado em práticas extremamente conhecidas, especialmente na forma como estão configuradas as cidades brasileiras, pela desterritorialização de comunidades de minorias étnicas, que se veem obrigadas a morar em áreas de risco, em condições precárias, tornando-se as maiores vítimas potenciais e de fato, de desastres ambientais.
Uma vez que a situação de emergência climática se caracteriza, pelo menos em parte, pelo aumento da frequência e intensidade de tempestades, ciclones, inundações, secas e a falta de água, ao atingir em maior grau as minorias étnicas (negros, indígenas, ribeirinhos), elas se tornam estruturantes do racismo ambiental.
Não é por acaso que, apesar das praias estarem lotadas de turistas e veranistas, todas as 65 vítimas fatais das chuvas que atingiram o município de São Sebastião durante o carnaval deste ano, eram trabalhadores e moradores locais, ou caiçaras. Será que as inundações desta semana nas regiões da Capela do Socorro, M’Boi Mirim e Cidade Ademar, na zona Sul de São Paulo, causam o mesmo estrago na região nobre dos Jardins?
Quem mora em Franco da Rocha e Francisco Morato, por exemplo, sabe muito bem o que é isso. Não foram raras as vezes que as comportas de barragens foram abertas, devido ao alto volume dos reservatórios, inundando as ruas destas cidades, destruindo suas casas, carros e ceifando vidas de trabalhadores, em sua maioria negros e pobres. É assim que o racismo ambiental se encontra com as emergências climáticas.
- Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP)