Mulheres negras, vereadoras deputadas e prefeitas : vidas ameaçadas pelo machismo e racismo

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), presidida pelo deputado Helder Salomão (PT- ES), promoveu nesta quinta-feira (10) – dia em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos – um encontro para debater as intimidações e ameaças de violência sofridos elas mulheres negras candidatas e eleitas nas eleições municipais deste ano. O debate foi proposto pelas organizações civis Terra de Direitos, Criola, Justiça Global e Instituto Marielle Franco.

“Como sempre, quando vemos a quebra do status quo a reação do patriarcado é sempre imediata e muitas mulheres negras passaram a ser alvo de ameaças, inclusive de morte. O que podemos fazer para garantir a vida e o exercício da cidadania de mulheres negras? Não podemos admitir que o povo tenha suas representantes impedidas de exercer plenamente seu mandato por conta de ameaças fundamentadas no racismo”, afirmou Helder Salomão.

Foto: Agência Câmara

Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC) relatou que “o momento era para ser só de alegria, mas ainda na apuração nossa página do Instagram foi invadida e fotos retiradas. Já no dia seguinte, foram ameaças de morte e ofensas racistas me chamando de macaca e fedorenta”.

Ela contou que as ameaças não cessaram. “Agora só falta a gente matar ela e entrar o suplente que é branco (sic)”. Ana Lúcia disse ainda que outra ameaça de morte tinha o endereço da sua residência. No conteúdo, os fascistas diziam que não adiantava ela fazer denúncia, porque eles iriam à casa dela e a matariam. “Fiquei bastante assustada, preocupada, e desse dia em diante nossa rotina alterou por causa do medo, insegurança”, denunciou a vereadora.

Em outra ameaça sofrida pela vereadora, os bandidos dizia: “Diga para ela se cuidar que os fascistas estão de olho nela” que o Fritz adora comer merda”, se referindo a um jacaré que tem num rio em Joinville.

“Tenho o direito de exercer meu mandato com toda segurança. Eu todas as mulheres negras precisamos de segurança garantida pelo Estado. E, para além disso, que essas mensagens e agressões possam deixar de existir. O que nós pedimos é viver e viver bem. Temos o direito de viver em plenitude e liberdade”, observou Ana Lúcia Martins.

Não quero ser a próxima Marielle
A primeira vereadora negra eleita em Curitiba (PR), Ana Carolina Dartora, que também sofreu ameaças de vilência foi enfática: “Não quero ser a próxima Marielle, a próxima mártir. Me chamaram de macaca, fedorenta. Não quero sair de Curitiba e me esconder. O mínimo de tranquilidade é o mínimo que o Estado deve nos proporcionar”, afirmou se referindo ao assassinato da vereadora Marielle Franco que completam mil dias sem que o mandante do crime tenha sido condenado e preso.

“Enfrentamos vária barreiras, ameaças de morte e intolerância promovidas pelo governo federal, dando voz para essa violência, desprezando mulheres, indígenas e quilombolas. É a necropolítica, a política do deixar morrer. E quando chegamos em espaços institucionais ainda temos a vida ameaçada. Somos mulheres eleitas e queremos exercer nosso direito”, completou Ana Carolina Dartora.

Anielle Franco, representante do Instituto Marielle Franco e irmã da vereadora assassinada brutalmente pelos milicianos do Rio de Janeiro disse que após a perda da irmã, resolveu seguir na luta que Marielle acreditava que é “fortalecer as reinvindicações das mulheres negras e LGBTQI+, não só no Brasil, mas em toda América Latina’.

“O assassinato dela (Marielle Franco) expôs a rachadura que existe no país”, explicou.

Não vão nos calar

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) classificou de “situações obscenas”. Para ela, “os capitães do mato estão soltos”. A parlamentar petista comemorou a aprovação da adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância pelo plenário da Câmara, na noite do dia 9. Para ela, esse é mais um instrumento de monitoramento dos direitos que já estão expressos na Constituição e no Estatuto da Igualdade Racial.

“O racismo estrutural se acentua de tal forma que está naturalizando e banalizando qualquer coisa que se faça contra a população negra. Nós vamos botar pra quebrar e não vão calar a nossa voz, não queremos mais sangue derramado como o de Marielle Franco”, alertou Benedita da Silva.

Foto: Gustavo Bezerra

A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), que recorreu à Organização das Nações Unidas (ONU) após sofrer novas ameaças de morte disse que esse tipo de violência acontece quando as mulheres expõem seus corpo para a luta. “Isso é muito duro, interfere na saúde metal. Isso acontece quando ocupamos espaços que há tanto tempo ocupados pela elite desde os tempos coloniais. São ameaças físicas, humilhações e interrupção de falas. Somos o país que mais assassina defensores de direitos humanos no mundo”, denunciou.

Para ela, ao ocupar esses espaços, “causamos uma reação proporcional, ainda mais agora que vivemos uma realidade de desmonte e destruição”.

“São grupo organizados, supremacistas brancos, fascistas e neonazistas legitimados pelo próprio Estado. O Congresso Nacional deve criar estratégias para fortalecer a democracia brasileira, que retrocede a passo largos. Precisamos participar disso vivas”, afirmou.

Estado machista

Para Luiza Erundina (PSOL-SP) as mulheres negras na política “são vítimas do Estado machista, racista e patriarcal. Marielle virou um emblema, um símbolo da luta. Essa violência é feita por pessoas covardes, que atuam às escuras”.

Segundo Erundina, os covardes se sentem respaldados por essa falta de ação e omissão, do Estado. “Quanto mais brancas, negras, tanto mais forte seremos e tanto mais os covardes, esses homens perversos e brancos, se sentirão ameaçados na sua hegemonia”, enfatizou.

A representante do movimento Mulheres Negras Decidem, Tainá Pereira alerta que ameaças e violências físicas culminam com o feminicídio político. “As mulheres negras continuam sendo as vítimas preferenciais dessa violência. O enfrentamento deve ser estrutural, dentro das instituições como no Superior Tribunal Eleitoral para agir nesses casos, ir além”.

Para a representante da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, Bruna Benevides, a violência política também é uma violência de gênero. “Esse ano, até agora, 160 travestis e transsexuais foram assassinados Brasil, que segue na frente do recorde mundial. Mas tivemos 30 pessoas travestis ou trans eleitas. Isso é fruto da trajetória de prostituas, travestis, gente pobre, analfabeta. A direita não consegue captar a nossa potência porque não tem a nossa capacidade”, reconheceu.

Subcomissão

“O que ouvimos aqui já é suficiente para que sejam tomadas medidas legislativas. Não pedimos uma reunião só para lamentar, mas para tomar decisões, como a criação de uma subcomissão para cuidar do tema. É preciso um alerta nacional, construir protocolos e aparatos que preservem a vida dessas mulheres. A ameaça, a morte de cada uma delas é um baque na democracia brasileira”, sugere Lúcia Xavier, do movimento Criola.

Gisele Barbieri, da Terra de Direitos pede que “esse tema seja debatido com partidos políticos dentro Congresso, e isso não é responsabilidade das mulheres, mas também dos homens que estão lá dentro, deputados e senadores”.

“É muito preocupante esse quadro de violência contra mulheres negras e estamos acompanhando com atenção. As falas de hoje confirmam nosso entendimento que vivemos em um cenário marcado pelo machismo e sexismo”, diz Angela Pires Terto, assessora do Escritório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH).

Dados

Pesquisa da Terra de Direitos e Justiça Global identificou a partir de entrevista com 142 mulheres negras de 21 estados em todas as regiões do Brasil, que 18% das entrevistadas receberam comementários e/ou mensagens racistas em suas redes sociais, por e-mail ou aplicativos de mensagens.

O estudo revela também que 8% foram vítimas de ataques com conteúdo racista durante eventos virtuais públicos. Além disso, 60% das mulheres negras entrevistadas foi insultada, ofendida ou humilhada em decorrência da sua atividade política nas eleições. Em 45% dos casos de violência virtual e moral, a agressão foi feita por indivíduo ou grupo não identificado, isso dificultou denúncias e aumenta a impunidade nos casos deste tipo de agressão.

“A pesquisa que fizemos mostra que esse ano foi o mais violento para candidatas. Tudo isso é mais um dano à nossa democracia”, afirmou Glaucia Marinha, da Justiça global. Ela reitera o pedido de uma subcomissão no Congresso Nacional para debater o tema.

Benildes Rodrigues com informações da CDHM

 

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