Uma farta documentação comprova a participação decisiva do governo dos Estados Unidos, numa aliança com as classes dominantes do País, na realização do Golpe Militar de 1964. Para sepultar as reformas de base, e com elas a democracia, usaram-se fartos recursos financeiros oriundos da CIA para irrigar as contas de políticos de direita, sindicatos, imprensa e militares golpistas.
De 1961, com a posse de Jânio Quadros, que permaneceu no cargo por sete meses, até a deposição de seu sucessor, João Goulart, em 1º de abril de 1964, jogou-se um vale-tudo: guerra psicológica com apoio de meios de comunicação, sabotagens, guerras econômicas, ameaças, financiamento de candidatos a cargos eletivos, assassinatos, suporte a passeatas contrárias ao governo popular de Jango.
Esses episódios são lembrados pelo cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor, entre outras obras, de O Governo João Goulart – As lutas sociais no Brasil (1961-.1964), lançada pela Editora UNESP. Ele afirma que o papel dos Estados Unidos na realização do Golpe de Estado em 1964, no Brasil, foi central. “Ninguém pode negar, há documentos”, diz, em entrevista exclusiva, por e-mail, à equipe PT na Câmara.
Ele alerta que, atualmente, “a estratégia de desestabilização norte-americana foi ainda mais aperfeiçoada”, como se pode ver na desestabilização da Ucrânia e nas tentativas de sabotagens contra o governo constitucional da Venezuela, com atuação ostensiva de Washington e da CIA. Contudo, Moniz Bandeira acredita que, hoje, não há maior perigo para a democracia brasileira. “As Forças Armadas, no Brasil, não estão dispostas a dar qualquer golpe de Estado”, afirma.
Leia a entrevista:
P) Qual o papel dos EUA no golpe do Brasil? Esse perigo continua hoje , com as estratégias de desestabilização dos EUA em diferentes partes do planeta?
R) – Ninguém mais pode negar o papel dos Estados Unidos no golpe militar de 1964. Está documentadamente comprovado. Hoje a estratégia de desestabilização foi ainda mais aperfeiçoada, como demonstro em meu livro A Segundo Guerra Fria – Dimensões geopolíticas e estratégicas dos Estados Unidos (Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e ao Oriente Médio). O que ocorreu na Ucrânia:George Friedman, na revistaGeopolitical Weekly(18,03.2014), reconheceu que “there were of course many organizations funded by American and European money that were committed to a reform government” e derrubaram o presidente Viktor Yanukovich. Essas organizações aproveitam as circunstâncias domésticas, os erros do governo e assim tratam de derrubá-lo. É o caso também da Venezuela.
P) A mídia teve um papel central no golpe de 64, em afinação com os EUA e interesses estrangeiros. Essa questão perdura até hoje, quando um governo de centro-esquerda é torpedeado dia e noite pela mídia brasileira?
R – A mídia em 1964 era mais diversificada. A situação era diferente da que hoje existe. Havia muito mais jornais, alguns mais ou menos neutros.
P) O senhor acha que a oposição de hoje guarda relação com a UDN e a TFP e a mídia do pré-1964? Qual o perigo, hoje, para a democracia brasileira?
R) – Não vejo hoje maior perigo para a democracia brasileira. As Forças Armadas, no Brasil, não estão dispostas a dar qualquer golpe de Estado. Têm consciência que foram desgastadas pela ditadura e que o fundamental é manter hierarquia e a disciplina, o que começa pelo respeito ao comandante-em-chefe que é o/a Presidente da República. Já em 1972, o general Augusto César de Castro Moniz de Aragão, ao passar para a reserva, advertiu o risco de que, para “fugir à subversão comunista”, o regime militar evoluísse para o regime de extrema direita, “igualmente policialesco e violento”, em que as Forças Armadas, aos poucos, esqueceriam “suas nobres tradições e deformariam a prática de sua função constitucional, para tornar-se milícia, guarda pretoriana ou ‘tropas de assalto SS’”, com seus oficiais convertidos em “beleguins ou inquisidores e mesmo sequazes ou esbirros de camarilhas sem fé e sem patriotismo”. O general Moniz de Aragão havia apoiado o golpe de 1964, mas percebeu que ele provocara o “esgarçamento dos laços disciplinares e da distorção dos conceitos de comando e chefia por efeito da própria rebelião, da qual decorreram as deposições do comandante em chefe das Forças Armadas e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica”.
P) Qual o principal desafio de um governo de centro -esquerda , como o do PT e aliados, para manter os avanços socioeconômicos obtidos desde 2003 e ao mesmo tempo preservar a democracia brasileira?
R – Como disse, não vejo, no momento, risco para a democracia no Brasil. Não há clima para golpes militares e promover enormes demonstrações para derrubar o governo, como agora outra vez aconteceu na Ucrânia e a oposição tenta fazer na Venezuela é uma possibilidade, porém não creio que tenha êxito. O que o governo brasileiro deve fazer é uma lei que obrigue todas as organizações não-governamentais a se registrarem, no Ministério da Justiça, declarando a procedência de seus recursos, e proibir que recebam de entidades governamentais ou para-governamentais estrangeiras.
P) A oposição continua a utilizar a bandeira da corrupção para enfrentar um governo progressista, mesmo com o fato de nunca ter havido tanto combate à corrupção no Brasil, desde a chegada do PT no poder. Como o senhor avalia isto, correlacionando com o movimento de desestabilização de Jango?
R) – Sim. A oposição como sempre recorre ao tema da corrupção para sensibilizar as classes médias. Lembro de Carlos Lacerda a clamar que o governo de Getúlio Vargas estava sobre um “mar de lama”. A Tribuna da Imprensa, então sob sua direção, é que recebia subsídio da CIA, conforme posteriormente me disse Tancredo Neves, então ministro da Justiça do governo de Vargas. Mas a situação do Brasil, 50 anos após a derrubada do governo do presidente Goulart, contra o qual nada foi provado, assim como contra Vargas, não é a mesma hoje.
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Equipe PT na Câmara