Merlong Solano: Hora de evitar o colapso social

De modo muito apropriado, o governador do Piauí, Wellington Dias, chama atenção do Fórum de Governadores e de toda a sociedade para o impacto da retirada rápida e simultânea das medidas emergenciais adotadas para enfrentar os efeitos sociais, econômicos e fiscais da pandemia do novo coronavírus.

De fato, a contragosto e muito relutante – sob a pressão intensa do Congresso Nacional, dos governadores, prefeitos e da mídia –, o governo Bolsonaro foi obrigado a mitigar seu neoliberalismo fundamentalista e a adotar medidas importantes que ajudaram (e ainda ajudam) a reduzir os efeitos negativos da crise. Entre as medidas, destacam-se: o auxílio emergencial de R$ 600; a compensação parcial das perdas de arrecadação de Estados e Municípios e o programa de auxílio ao pagamento de salários para empresas evitarem a demissão de seus empregados.

Agora, retornando ao fundamentalismo neoliberal, o governo Bolsonaro advoga a tese de que a recuperação deve ocorrer por meio de investimentos do setor privado, sem admitir sequer a adoção de um plano de transição. Desse modo, o governo exige que o paciente (Brasil), que ainda precisa de sangue e soro na veia, levante da cama e, como que por milagre, corra a maratona da recuperação da economia e do emprego apenas com suas próprias forças. Uma insanidade só admissível na teoria de um Chicago Boy insensível (na verdade, já sênior) e de um presidente absolutamente despreparado para as altas responsabilidades do cargo que ocupa.

Com a queda do auxílio emergencial para R$ 300 e o seu fim a partir de dezembro, teremos a redução brusca do consumo das famílias; com o fim do socorro às empresas para pagamento de salários, teremos o aumento das demissões; e com o fim da compensação das perdas de arrecadação aos Estados e Municípios, sem a correspondente recuperação da atividade econômica e da arrecadação, teremos as finanças desses entes caminhando para estado de coma.

Tudo isso acontecendo simultaneamente, num país que já sofre os mais altos índices de desemprego de sua história, com mais da metade de sua população economicamente ativa fora do mercado de trabalho. Situação muito amarga, só admitida insensivelmente por aqueles que advogam a tese segundo a qual as crises econômicas e sociais são como as guerras: servem para purgar a sociedade dos fracos e fortalecer ainda mais os fortes. Tese genocida, obviamente.

Retornando ao manifesto do governador Wellington Dias, com a experiência de quem já governou sob outras crises econômicas, propõe a elaboração de um plano de transição que trabalhe a recuperação da economia e do emprego por meio da integração do setor público com o privado. Nesse rumo, seria necessário um conjunto de medidas anticíclicas capazes de manter o potencial de investimento do setor público e de oferecer parâmetros de confiança para a retomada de investimento do setor privado.

Isso é necessário e é o que o mundo está fazendo, em diferentes graus de intensidade. A questão que se coloca é o financiamento das medidas anticíclicas. Até aqui o Brasil seguiu o caminho do aumento da dívida pública, bem justificável na atual conjuntura. Todavia, esse caminho devolverá depois a conta para toda a sociedade por meio do aumento do superávit primário para custear a rolagem da dívida ampliada pela atual crise. Por esse caminho, os pobres pagam a conta mais pesada em razão da tendência à precarização dos serviços públicos de que necessitam.

Precisamos de um modelo de financiamento das medidas anticíclicas que não aprofunde a desigualdade social.  Chegou a hora de um Novo Contrato Social, pois já não há espaço para seguir aumentando a distância entre os mais ricos e os mais pobres, que estão tendendo à miséria. Assim, é hora de combinar, ainda por algum tempo, o aumento da dívida pública com a mudança do sistema tributário de modo a torná-lo progressivo: cobrando mais de quem pode pagar mais e aliviando os impostos sobre o consumo, que oneram os mais pobres.

Um bom começo seria adotar duas medidas que nem exigem mudança da Constituição: regulamentar o Imposto sobre grandes fortunas, criado pela Constituição de 1988 e jamais cobrado; e revogar a isenção fiscal concedida à distribuição de lucros e dividendos a pessoas físicas; assim como revogar as deduções legais permitidas nas operações de recolhimento de imposto de renda de pessoas jurídicas nos casos de distribuição de lucros e dividendos. Esses privilégios foram concedidos a milionários e bilionários pela Lei 9.249/1995.

Como deputado federal, estou disposto a trabalhar, no Congresso Nacional, por uma reforma tributária que acabe com esses privilégios, tão nocivos ao povo brasileiro.

Merlong Solano é Deputado Federal (PT-PI)

 

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