“Lutei contra a dominação branca e a dominação negra. Tenho o ideal de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia. É um ideal pelo qual espero viver e que espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”
Nelson Mandela, 1963.
Nelson Mandela, que nos deixou semana passada aos 95 anos, foi o maior estadista do século XX. “(Ele) conduziu com paixão e inteligência um dos mais importantes processos de emancipação do ser humano da história contemporânea, o fim do apartheid na África do Sul”, disse a presidenta Dilma Rousseff em discurso no estádio Soccer City, em Joannesburgo, como representante dos países sul-americanos nos funerais do grande líder.
A cerimônia reuniu cerca de 90 chefes de Estado de todo o espectro político, desde o presidente americano Barack Obama até o dirigente cubano Raúl Castro. Em tempos recentes, só houve duas personalidades cujas mortes provocaram tanta comoção mundial: o marechal Josip Broz Tito, presidente da Iugoslávia e líder dos países não-alinhados, em 1980, e o papa João Paulo II, em 2005. A mídia internacional destacou a trajetória, a luta e as vitórias de Madiba, como seu povo, carinhosamente, o chamava. Como ressaltou Dilma, “O combate de Mandela – e o do povo sul-africano – transformou-se em um paradigma, não só para este continente, mas para todos os povos que lutam pela justiça, pela liberdade e pela igualdade”.
Mas nem sempre Nelson Mandela foi um líder unanimemente aclamado. O regime que ele combateu, o apartheid, era um dos mais odiosos da face da Terra: tratava-se de um sistema de supremacia branca que transformou os negros sul-africanos em párias em seu próprio país. Mesmo assim, o apartheid – bem como as ditaduras militares da América Latina – era apoiado e financiado por países ocidentais (EUA, Reino Unido e França) em nome do combate ao comunismo. Em 1963, Mandela foi preso por liderar a resistência armada do Congresso Nacional Africano ao apartheid e condenado à prisão perpétua. Durante boa parte dos 27 anos que amargou nas masmorras do país, ele foi considerado um ‘terrorista’ não apenas por seus algozes, mas por muitos líderes ocidentais de países que hoje o idolatram. Para Margaret Thatcher, por exemplo, ele era um comunista que merecia ser enforcado. Mandela foi libertado somente em 1990, depois de muita pressão internacional, quando já tinha 71 anos.
Nessas circunstâncias, Madiba tinha tudo para cultivar o ódio e o ressentimento e liderar uma revanche histórica dos negros contra os brancos, como aconteceu no vizinho Zimbábue. Foi aí que se revelou o estadista, que se alimentava tanto da tradição tribal ubuntu (tolerância, compaixão e responsabilidade) quanto dos ideais ocidentais de democracia e direitos humanos. Ele soube conduzir uma transição pacífica junto aos líderes afrikâners e mostrou habilidade política para conter os radicais negros que queriam ‘jogar os brancos ao mar.’ Ao ser eleito presidente em 1994, tornou-se o responsável pelo nascimento de uma nação plurirracial e democrática. E, podendo perpetuar-se no poder, ficou no cargo apenas um mandato. Mas continuou atuando.
Portanto, não passa de hipocrisia a postura de certa mídia conservadora – nacional e internacional – de tentar santificá-lo e mumificá-lo, transformando-o num líder anódino e inofensivo. Ora, em toda sua vida, Mandela sempre se colocou claramente ao lado dos oprimidos, contra as ditaduras e a exploração do homem pelo homem. Por isso ele foi considerado ‘subversivo’. E também sua tolerância não pode ser confundida com uma capitulação ao poder dos brancos. A grandeza de Mandela foi justamente ter sabido quando era o momento de lutar e quando era o momento de conciliar e de dialogar.
Em outras palavras, foi um político de verdade!
(*) Deputado federal (PT-SP), ex-prefeito de São Carlos e ex-reitor da UFSCar.