Parlamentares da Bancada do PT na Câmara criticaram nesta semana a ideia manifestada por integrantes do governo Bolsonaro, especialmente o ministro da Economia, Paulo Guedes, de acabar com o Bolsa Família substituindo-o por um outro programa, apelidado de “Renda Brasil”. Segundo os deputados petistas, a ideia do governo é apenas uma tentativa eleitoreira de apagar as “digitais” do PT na criação do programa – instituído em 2004 durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva – e sepultar da memória dos brasileiros o sucesso da ação, considerado o melhor programa social já implementado no País, e reconhecido internacionalmente como exemplo de política pública de combate à pobreza.
Entre outras premiações, o Bolsa Família ganhou o que é considerado o “Nobel da seguridade social” da Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA), com sede na Suíça. A ação do então governo Lula foi o vencedor do I Prêmio Award for Outstanding Achievement in Social Security (em tradução livre, prêmio por ter alcançado resultado excepcional na área de seguridade social), em reconhecimento ao sucesso do Bolsa Família no combate à pobreza e na promoção dos direitos sociais da população mais vulnerável do Brasil. A ISSA é a principal organização internacional voltada à promoção e ao desenvolvimento da seguridade social no mundo.
O Bolsa Família também foi apontado pela ONU e pelo Banco Mundial como “exemplo de política de erradicação da pobreza”. Por conta desse reconhecimento, e por sua eficácia, o Bolsa Família já foi implementado em mais de 20 países, com adaptações locais. No fim de 2019, o Bolsa Família atendia a 13,1 milhões de famílias no Brasil, ou quase 50 milhões de pessoas.
O líder da Bancada do PT na Câmara, deputado Enio Verri (PT-PR), criticou a substituição do Bolsa Família por outro programa. Segundo ele, essa ação não é “uma simples troca de nome”. “O Bolsa Família foi pensado como uma estratégia entrelaçada com outras ações para garantir direitos sociais nos campos da educação, da saúde e da assistência social”, ressaltou.
Responsável pela implementação do programa na época, o então ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – e hoje deputado federal -, Patrus Ananias (PT-MG) disse que a integração com outras políticas sociais é a explicação do sucesso do Bolsa Família.
“O Bolsa Família está integrado ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), ao bancos de dados dos Centros de Referência e Assistência Social (Cras), localizados em comunidades pobres; e as políticas de segurança alimentar e nutricional, como os restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos. E como consequência desses programas e do Bolsa Família, nós reduzimos como nunca a pobreza no Brasil e saímos do Mapa da Fome em 2014”, observou o petista.
Em maio deste ano, o chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês) – a maior agência humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU) -, o economista Daniel Balaban, disse que o Brasil caminha a passos largos para voltar ao Mapa da Fome. Segundo ele, 5,4 milhões de brasileiros devem passar para a extrema pobreza no Brasil até o final de 2020.
A deputada Rejane Dias (PT-PI) disse que a substituição do Bolsa Família pelo Renda Brasil tem motivação eleitoreira visando as eleições presidenciais de 2022. “É uma tentativa clara de retirar as digitais do Partido dos Trabalhadores no maior programa de transferência de renda da história de nosso País. É uma maquiagem para batizar de outro nome um Programa que até aqui o governo só fez enfraquecer. É muito contraditório e, mais do que nunca, precisamos permanecer vigilantes”, alertou.
Desde o ano passado, o governo Bolsonaro tem sido acusado de travar o acesso de novas famílias ao programa. No início de 2020, a fila de acesso ao Bolsa Família chegava a 1 milhão de pessoas. Em junho deste ano, o governo Bolsonaro retirou R$ 83 milhões que estavam destinadas a atender novas famílias da região Nordeste, e desviou para a área de comunicação institucional do governo.
Mais Bolsa Família
Apesar de defenderem a permanência do Bolsa Família, os parlamentares do PT lembram que a Bancada do partido na Câmara propôs o fortalecimento do programa. Por conta do aumento da pobreza gerado pela pandemia da covid-19 e da ausência de políticas sociais do governo, o partido apresentou um projeto de lei (PL 4086/2020) criando o ‘Mais Bolsa Família’. A proposta aumenta o alcance do programa e o valor dos benefícios já concedidos. “O Bolsa Família precisa, sim, ser ampliado e aperfeiçoado”, defendeu Patrus Ananias.
Segundo o projeto, todas as famílias com renda até R$ 600/mês por pessoa (bem acima da linha de pobreza definida pelo Banco Mundial de US$ 5,5 por dia/pessoa ou R$ 434/mês), e que tenham gestantes, nutrizes (pessoa que amamenta ou responsável por nutrir filhos de alguém), crianças ou jovens teriam direito a um benefício fixo de R$ 300 para cada um deles, limitados a 5 (cinco) benefícios por família.
Para as famílias com renda de até R$ 300/mês por pessoa (acima da linha de extrema pobreza definida pelo Banco Mundial de US$ 3,2 por dia/pessoa, ou R$ 253/mês) também seria assegurada uma complementação mensal de renda, adicional aos benefícios para crianças, jovens nutrizes e gestantes, de forma a garantir que nenhum brasileiro viva com menos que uma renda mínima de R$ 300. Como exemplo, em uma família de 4 pessoas, sem qualquer outra fonte de renda, o benefício poderia chegar a R$ 1.200/mês.
No cenário mais adequado ao pós-pandemia, os petistas estimam que 30 milhões de famílias seriam beneficiadas com o Mais Bolsa Família, com custo mensal de R$ 19,2 bilhões, e de R$ 230 bilhões por ano.
Fonte de recursos para o Mais Bolsa Família
Em resposta a possíveis críticas sobre a fonte para custear a ampliação do Bolsa Família, o deputado Afonso Florence (PT-BA), membro da Comissão Mista da Reforma Tributária, defendeu que os super-ricos ajudem a pagar a conta em solidariedade à população mais pobre.
“A pandemia aumentou o número de famílias em situação de extrema pobreza, enquanto os bilionários do país lucraram bilhões. Para atender os que mais precisam do “Mais Bolsa Família”, podemos aumentar a tributação dos super-ricos do País”, defendeu.
Na justificativa do projeto, os parlamentares da Bancada do PT propõem uma Reforma Tributária solidária “que onere os muito ricos (0,3% da população), e revise as desonerações fiscais e que combata a sonegação fiscal”.
Como funciona atualmente o Bolsa Família
Para ter acesso ao benefício, a família precisa comprovar que possui renda per capita de até R$ 89 (extremamente pobres) a até R$ 178 (pobres), e cumprir condicionalidades como frequência escolar das crianças e adolescentes.
Os extremante pobres têm direito a um benefício básico de até R$ 89 por pessoa da família. Já os considerados pobres, têm benefícios variáveis, vinculados a crianças ou adolescentes de 0 a 15 anos, gestantes e nutriz. Nas famílias com crianças ou adolescentes o valor do benefício de R$ 41 é limitado a, no máximo cinco por família, e condicionado a comprovação de frequência escolar entre os 6 e 15 anos de idade.
No caso das gestantes, o benefício também é de R$ 41, e pago em 9 parcelaras, mediante comprovação da gravidez pela área da saúde e repassada do Sistema Bolsa Família na Saúde. Por fim, para nutriz o benefício é pago a família com crianças com idade entre 0 e 6 meses (6 parcelas mensais) como reforço da alimentação do bebê, mesmo que não more com a mãe. Para que o benefício seja pago, a criança precisa ter os dados incluídos no Cadastro Único até o sexto mês de vida.
Para famílias pobres (renda mensal per capita de até R$ 178 por pessoa) com adolescentes entre 16 e 17 anos, é pago um auxílio no valor de R$ 48 (até dois por família). Nesse caso também é exigido frequência escolar para receber o benefício.
Héber Carvalho
Imagem: Agência PT