Lula na Europa: a árdua reconstrução da credibilidade do Brasil

Deputado Paulo Pimenta (PT-RS)/ Foto: Gustavo Bezerra

Soterrado sob os escombros produzidos pelo golpe de Estado de 2016 e pelos governos de demolição liderados inicialmente por Michel Temer e, a partir de 2019, por Jair Bolsonaro, o Brasil clama por um Programa de Reconstrução Nacional.

Hoje, cerca de dois terços da população brasileira rejeitam o governo que resultou da convergência histórica entre duas calamidades: o programa econômico neoliberal e o programa político neofascista preconizado pelas elites reacionárias e encarnado pela sinistra dobradinha Bolsonaro/Guedes.

Na medida em que o governo ruma para seu final, os setores populares da sociedade brasileira têm denunciado o enorme dano produzido em todas as dimensões da vida do País: na defesa da soberania nacional, na economia, nas relações sociais, na cultura, no meio ambiente, nas políticas públicas de educação, ciência e tecnologia, saúde, transporte, segurança, na própria fisionomia da nação diante do mundo, conquistadas como resultados de lutas de gerações e gerações.

Bolsa Família – O fracasso das soluções econômicas e políticas apresentadas ao País sob a bandeira da “Ponte para o Futuro” pelas forças de direita e extrema-direita como justificativa para o impeachment fraudulento da presidenta Dilma Rousseff se revela em toda a sua extensão: a economia se move em círculos, estagnada, a inflação bate nos dois dígitos, o desemprego alcança mais de 14 milhões de brasileiros, informalização e subemprego em massa, retorno ao mapa da fome, mais de 600 mil mortos pela pandemia de Covid-19. E mais: 26% das crianças brasileiras, de 2 a 9 anos, não podem fazer, hoje, três refeições por dia, e o governo deixa 25 milhões de brasileiros sem renda com o fim do Bolsa Família e do Auxílio Emergencial.

O governo da extrema-direita liderado por Jair Bolsonaro passará para a história por ter inaugurado a “fila do osso” no país que há décadas figura entre os maiores exportadores de alimentos do mundo e lidera o ranking de exportações de carnes do mundo. Um país onde as políticas de Bolsonaro/Guedes obrigam as famílias mais pobres a esperar na fila, durante horas, para disputar ossos nos matadouros para enganar a fome. Uma obscenidade inconcebível e inaceitável!

Quem ganha com esse fracasso? Os mais ricos. Os que se encontram no topo da pirâmide social. Os donos dos bancos e das grandes indústrias. Os que acumulam dinheiro em empresas offshore para não pagar impostos. Escândalo dos escândalos: durante a pandemia de Covid-19 que matou mais de 600 mil cidadãos, o número de bilionários no Brasil cresceu 44%. Somadas as fortunas, eles detêm 219 bilhões de dólares (aproximadamente 1,2 trilhão de reais). Entre março de 2020 e março de 2021, o ano macabro, essa imensa fortuna acumulou, principalmente pela especulação, um ganho de 71%.

Insegurança alimentar – A contraface desse escândalo está descrita no estudo “Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil”, da Rede Pensan: menos da metade dos brasileiros – cerca de 45% – tem garantida, hoje, a refeição do dia de amanhã. Em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, deposta pelo golpe, esse número era 77%.

Como vemos, chegamos ao futuro prometido pelo neoliberalismo e o neofascismo: a insegurança alimentar – leve, moderada ou grave – já alcança 55% da população brasileira, de acordo com o estudo da Rede Pensan.

Diante deste descalabro é necessário apresentar ao País um programa de reconstrução nacional que responda de forma objetiva como superar essa situação criminosa a que nos conduziu o governo da extrema-direita. E aponte com clareza e credibilidade para a retomada do projeto de desenvolvimento capaz de arrancar o Brasil do pesadelo em que se debate.

A viagem do ex-presidente Lula por alguns países da Europa nos últimos dias é um verdadeiro sopro de esperança frente a esse cenário de profundo desalento.

A agenda de Lula objetiva reestabelecer pontes com parceiros econômicos relevantes para reabrir mesas de diálogo que foram fechadas ou remetidas para a geladeira desde a aventura golpista que, em 2016, interrompeu o ciclo democrático construído a partir da Carta Magna de 1988.

O principal resultado perseguido pelas conversações do ex-presidente Lula com líderes da Alemanha, França e Espanha e membros do Parlamento Europeu, em Bruxelas, refere-se à recuperação de um elemento fundamental de qualquer relação civilizada entre nações: a credibilidade. Essa confiabilidade entre os interlocutores foi demolida pelos golpistas de 2016 e pelo “estadista- miliciano” de Rio das Pedras, a partir de 2019.

Reconstrução nacional – Um projeto de reconstrução nacional de longo prazo – exigência histórica imposta ao povo brasileiro nesta terceira década do século XXI – dada a extensão do estrago produzido pelas elites predatórias, defensoras do programa ultraliberal em curso, passa necessariamente pela capacidade de o Brasil ser levado a sério no cenário internacional.

Passa pela reconstrução da estabilidade política capaz de recuperar investimentos não especulativos, que se associem a uma perspectiva de longo prazo, democrática, ambientalmente sustentável e socialmente justa, para um país que, nas duas primeiras décadas do século XXI, se encontrava entre as seis maiores economias do mundo e, hoje, retrocedeu à 13ª posição.

Um país que se dirija de forma madura aos seus interlocutores pela voz de sua maior liderança popular para deixar claro que se recusa a aceitar a condição de colônia ou de neocolônia. E, ao mesmo tempo assumir suas responsabilidades e compromissos diante das emergências mundiais como a crise climática e as emergências humanas como o combate à fome.

A um ano das eleições presidenciais e parlamentares, exige-se das forças populares que se contrapõem ao projeto neoliberal e neofascista não apenas a manifestação organizada e massiva de sua indignação diante de um governo que responderá por crimes contra a humanidade. É preciso também formular e pactuar os termos do programa de reconstrução nacional exigido pela maioria do povo brasileiro.

Paulo Pimenta é deputado federal (PT-RS) e presidente do partido no Rio Grande do Sul

Artigo publicado originalmente no VioMundo

 

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