Parlamentares do PT e dos demais partidos de Oposição denunciaram em plenário, na noite desta terça-feira (25), o trator que a base bolsonarista vem utilizando, desde a mudança do Regimento Interno da Casa, para apreciar matérias de interesse do governo. Além de “amordaçar” a Oposição, nesta quase madrugada, o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), chegou a propor que a esquerda retirasse não só o seu kit obstrução, mas até mesmo emendas de mérito que foram apresentadas à medida provisória (MP 1029/20), que desobriga os órgãos públicos de celebrarem contrato de trabalho com os tripulantes (pilotos e mecânicos de voo) de aeronaves privadas contratadas para a realização de missões institucionais ou para o exercício do poder de polícia.
A apreciação da matéria começou depois das 22 h, em uma sessão que iniciou às 18h, com mais de três horas de atraso. O líder do PT, deputado Bohn Gass (PR), considerou a proposta de retirada de emendas da Oposição inadmissível. “Isso é uma chantagem. O que nos pedem não é apenas a retirada da obstrução, querem exigir que a gente abra mão do mérito. Não basta nos amordaçar com uma regra de exceção para votação, agora querem nos impedir até mesmo de propor mudanças de mérito. Isso é inadmissível. É inaceitável. Vamos exercer a democracia e o regimento”, afirmou.
O líder ainda enfatizou que as comissões mistas já não estão funcionando. “Querem passar o trator. Mas nós vamos usar o regimento e garantir o debate em plenário”.
O deputado Henrique Fontana (PT-RS), encaminhando pela Minoria, afirmou que “há uma espécie de efeito manada, perdoem-me a palavra, onde o tal bloco governista definiu o quer aprovar ou o que não quer aprovar. E por mais irracional que seja o que querem aprovar, a tratorada segue em marcha batida. Isso é muito ruim para a democracia. Isso deve merecer uma análise muito detalhada, inclusive de deputados desses partidos”, defendeu.
Na avaliação do deputado Fontana uma característica muito importante em qualquer democracia é a negociação democrática entre Maioria e Minoria. “A democracia não é uma simples apresentação de uma maioria, que, a partir do momento em que se consolida, poderia votar tudo o que quer, na hora que quer e quantas vezes quiser. A democracia demanda o processo de diálogo entre as partes diferentes”, explicou.
Fontana enfatizou que a mudança regimental que a maioria aprovou recentemente já é uma enorme agressão contra a democracia, porque, em qualquer democracia mais estável, jamais se deveria mudar o Regimento de funcionamento da Casa dentro da própria legislatura. “A mudança poderia ocorrer para uma próxima legislatura, ou seja, não se pode compor uma maioria e com esta maioria impor uma mudança da regra do jogo dentro do processo democrático, incidindo imediatamente e permitindo, por exemplo, esta, dentre tantas outras distorções, esta, gravíssima, de não ter hora para terminar uma sessão. Ou seja, ao bel-prazer de um poder monocrático do presidente da Casa, ele pode conduzir uma sessão durante 10, 15, 20, 30 horas consecutivas”, protestou.
Direito a obstrução
O poder de obstrução da minoria, na avaliação do deputado Fontana, muitas vezes, ao longo da história, serviu para mediar textos em que quem tem maioria é obrigado a se sentar com quem é minoria para aceitar mudanças no texto.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) também criticou a solicitação para que não se fizesse obstrução. “Isso não é correto. A medida provisória está começando a ser votada às 22h12min. O senhor anuncia uma medida provisória, que não passou em Comissão alguma — é até um desrespeito —, o plenário está vazio, e V.Exa. diz que nós é que somos culpados, que não deveríamos fazer obstrução? Isso não existe! Obstrução é um direito da Oposição”, afirmou. Rogério Correia enfatizou ainda que a MP 1029/20 é uma medida provisória que vai tirar direitos de aeronautas e que merecia debate e reparações.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) disse que não se pode achar que é normal ter uma sessão prevista para as 15 h e ela começar quase às 18 h. “E nós estamos discutindo medidas provisórias sem passar por comissão mista, sem dialogar com a sociedade, e se quer votar noite ou madrugada a dentro. Absolutamente nós estamos vivendo um regime de exceção na Câmara — exceção!”, protestou e acrescentou: “Isso é um desrespeito com o Poder Legislativo e, portanto, um desrespeito com a democracia. É regime de exceção o que nós estamos vivenciando na Câmara”.
Respeito com horário e pauta
O protestou da deputada Erika foi endossado pela líder do PSOL, deputada Talíria Petrone (RJ). “É muito importante que a Mesa informe aos parlamentares e aos trabalhadores das assessorias da própria Câmara o horário da sessão, para que a gente se organize. É inacreditável que a gente tenha uma sessão marcada para as 15 h, e três horas depois, um pouco mais, a Ordem do Dia se inicia sem que nenhuma de nós e nenhum de nós líderes do nosso partido, das nossas bancadas, temos sido avisados. A gente precisa de um tempo para organizar a pauta X ou Y. Não. Nada. Silêncio em relação ao que seria votado, a que horas ia ser votado. Esperamos três horas e ai entra uma MP, agora outra MP que tem problemas graves nos destaques que vão ser votados. São problemas que atacam de forma muito severa os aeroviários e podem prejudicar a segurança desse setor no Brasil”, alertou.
26 votações nominais em 24 horas
O líder do PDT, deputado Wolney Queiroz (CE), citou que na última semana o plenário bateu o recorde de votações nominais na Câmara: 26 votações nominais em 24 horas. “Nunca na história da Câmara se fez tanta votação nominal em 24 horas. Aí eu pergunto: é saudável isso para o processo democrático? É bom isso para a Casa? É alguma coisa que possamos comemorar? Eu acho que não. Parece-me absolutamente temerária essa forma que foi adotada — agora não somente como exceção, mas como regra —, de que nós votemos uma enormidade de assuntos, uma enormidade de destaques, de emendas, de projetos de lei, de medidas provisórias e até de PECs com esse ritmo acelerado e com essa voracidade”, criticou.
Denúncia
Wolney defendeu que se faça uma reflexão sobre o papel dos partidos, dos líderes. “Eu não quero crer na informação que me chegou, a de que muitos parlamentares deixam os seus telefones com as suas senhas para assessores votarem, sem nem sequer saber o que estão votando. Os assessores é que votariam, orientados pelos parlamentares a acompanhar a votação do partido, e os deputados nem sequer estariam com os telefones nas mãos. Eu quero crer que essa informação não procede, que é apenas um boato. Mas esse é um risco que nós corremos, porque passa a ser desinteressante, passa a ser cansativo, passa a ser contraproducente esse tipo de mecanismo que está sendo usado aqui”, alertou.
O líder da Oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) também criticou essa forma de votar decorrente da mudança do Regimento da Câmara. “Ela não vai fazer bem à Casa. Na semana passada, já foram vários abusos, votando matérias polêmicas e, digamos a verdade, com temas no mínimo estranhos às matérias que foram votadas, sejam as termelétricas da semana passada na MP da privatização da Eletrobras, ou esse bilhão de vantagens para as empresas aéreas na última matéria votada. Qual será a surpresa dessa medida provisória à meia-noite, que será votada com quem, eventualmente, estiver acordado?” indagou.
Molon assegurou ainda que, “de fato, nós da Oposição não tememos enfrentar a noite, até porque estamos votando. Quem deve temer é quem está pedindo para assessor votar, se o que foi levantado aqui for verdade. Trata-se de causa para a cassação de mandato”, avisou.
Adiamento
Após muita discussão e discordâncias entre Minoria e Maioria, a Mesa adiou para esta quarta-feira (26), às 13h55, a apreciação da MP 1029/20.
Vânia Rodrigues