Insuficiência de dados e falta de políticas públicas provocam mau desempenho no combate a doenças virais na população carcerária

Deputado Alexandre Padilha, em audiência virtual na CSSF. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Especialistas de organizações não-governamentais, e até autoridades do governo federal, afirmaram durante encontro na Câmara que faltam dados qualificados e efetividade nas políticas públicas para combater doenças virais e infecciosas entre a população carcerária do País. O tema foi debatido durante audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara (CSSF), que debateu ações de enfrentamento à hepatite C e ao HIV/Aids entre a população carcerária. A reunião foi solicitada e presidida pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP).

A representante do Fórum das ONGs/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp) Liliane Mussi relatou que diante da falta de informações específicas, até mesmo o trabalho de ONGs dentro do sistema prisional é dificultado. Ela explicou o caso da ONG Terra das Andorinhas, de Campinas (SP), que desenvolve testagem rápida de casos de Hepatite, HIV/AIDS, no sistema prisional feminino do estado.

“Conseguimos autorização para desenvolver essa ação dentro do sistema penitenciário, mas temos dificuldade em conseguir deslocar funcionários do Sistema de Saúde para realizar essas testagens dentro das unidades prisionais, e mais ainda para darmos continuidade ao acompanhamento dos testes positivos. A rotatividade é alta, e muitas detentas acabam mudando de local prisional e não temos como continuar o tratamento”, disse.

A reclamação sobre a falta de dados específicos é compartilhada pelo Diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, Gerson Mendes Pereira. Ele explicou que o principal desafio é combater os casos de transmissões de DST’s (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e de hepatites virais dentro das unidades prisionais.

O representante do Ministério da Saúde, funcionário de carreira do órgão, disse que faltam informações precisas para combater o problema. “Temos vários sistemas com dados do sistema prisional, mas esses sistemas não conversam entre si. De verdade, não temos como saber quantas pessoas em privação de liberdade tem HIV/Aids, Hepatite C, Tuberculose ou Sífilis. Precisamos melhorar a qualidade da informação, com a integração dos Sistema de Informação do SUS ao sistema do Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Só assim poderemos estabelecer medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento adequados”, observou.

Já o coordenador do Depen (órgão do Ministério da Justiça), Rodrigo Lopes, reconheceu que é um desafio cuidar da saúde da 3ª população carcerária do mundo, com 668 mil pessoas em privação de liberdade, em 1527 unidades prisionais em todo o País. Apesar da constatação, o dirigente do Depen tratou de jogar a responsabilidade sobre o combate das doenças no sistema prisional para os Estados.

Segundo ele, o órgão vinculado ao Ministério da Justiça apenas orienta a atuação dos sistemas de saúde dos Estados no sistema prisional e aparelha os espaços de saúde nessas unidades. Em relação aos dados do Sistema de Informação do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), o dirigente do Depen disse que o órgão somente compila os dados repassados pelos Estados.

Saúde da população carcerária

A Coordenadora Executiva Fórum ONGs-Aids do Estado do Rio Grande do Sul, Márcia Leão, disse que a responsabilidade pela saúde das pessoas privadas de liberdade é de todos os entes da federação.
“Chama a atenção a negligência com este cuidado, que é responsabilidade do Estado. Saúde é direito de todos e dever do Estado. A Constituição não diz que é responsabilidade desse ou daquele ente federativo, mas, sim, de todos. O SUS não pode falar ou se ausentar das políticas públicas de saúde, seja para a população liberta ou que viva em restrição de liberdade. É preciso que o SUS honre seus princípios de equidade, universalidade e integralidade”, observou.

Já o representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) Nereu Mansano explicou que as próprias condições em que vivem as pessoas em restrição de liberdade contribui para a disseminação de doenças.
“É uma população que vive em ambiente fechado, em condições sanitárias precárias e por isso existe muita dificuldade em resolver essa questão das infecções por DST’s, Hiv/Aids”, ressaltou.

Já o representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Alessandro Aldrin afirmou que para resolver o problema o Brasil precisa repensar até mesmo a sua política de encarceramento.

“Enquanto sociedade, precisamos repensar essa política de encarceramento. Não é bonito falarmos que temos a 3ª população carcerária do planeta, uma política que apenas revela os graves problemas sociais que enfrentamos”, lembrou.

A reunião contou ainda com a participação do Diretor da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), George Trigueiro; e da Assessora Técnica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carla Ulhôa André.

Encaminhamentos da reunião

Como encaminhamentos de ações que podem ser adotadas pela Comissão de Seguridade Social e Família na resolução do problema, o deputado Alexandre Padilha anunciou que irá pedir a criação de uma subcomissão, ou de um Grupo de Trabalho do próprio colegiado, para debater o tema a partir do próximo ano.

O parlamentar adiantou ainda que também vai apresentar um projeto para tornar lei a portaria do Ministério da Saúde – de 2014 – que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp).

Por último, Padilha informou que vai pedir que a CSSF envie ao Ministério da Saúde a solicitação de criação do prontuário eletrônico (e-SUS), nos atendimentos dentro das unidades prisionais. “Isso vai aprimorar o controle de dados sobre atendimentos no sistema e contribuir com informações para ajustes nas políticas de assistência à saúde das pessoas privadas de liberdade”, observou.

Héber Carvalho

 

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