Inflação maior para os mais pobres aprofunda a desigualdade

No ano passado, enquanto a inflação das famílias de renda mais baixa teve elevação de 6,22%, o segmento de renda alta registrou taxa menor: 2,74%. Alta nos preços de alimentos e bebidas causada pelo desmonte dos estoques públicos e pelo crescimento das exportações está na origem da diferença

A mistura de “laissez-faire” (em francês, “deixe fazer”) neoliberal e inépcia da equipe do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, continua vitimando os orçamentos das famílias mais pobres do país. Desde o início da pandemia do coronavírus, em março de 2020, elas são as que mais sofrem com a inflação descontrolada, e em dezembro passado não foi diferente.

O Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, divulgado na sexta (15) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que no último mês do ano passado, enquanto a taxa das famílias de menor renda (rendimento familiar mensal inferior a R$ 1.650,50) apontou alta de 1,58%, a faixa de renda mais alta (rendimento domiciliar superior a R$ 16.509,66) registrou avanço de 1,05%. Diferença de 0,53 ponto percentual entre os dois grupos.

No acumulado do ano, enquanto a inflação das famílias de renda mais baixa teve elevação de 6,22%, o segmento de renda alta registrou taxa menor: 2,74%. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e usado nas metas de inflação do Banco Central (BC), fechou o ano passado com alta de 4,52%.

Quando se observa a variação acumulada em 2020, comparada à de 2019, os dados mostram que para as três faixas de renda mais baixa houve uma aceleração da inflação, enquanto para as três classes de renda mais alta o ano passado proporcionou um alívio inflacionário.

Inflação de alimentos

Os segmentos de “habitação” e “alimentos e bebidas” foram os que mais impactaram a inflação das famílias de menor renda. Já os itens que ocupam mais espaço na cesta de consumo dos mais ricos, tiveram alta mais modesta.

“Quando se observa a variação acumulada em 2020, se comparada com a de 2019, os dados mostram que, para as três faixas de renda mais baixa, houve uma aceleração da inflação, enquanto que, para as três classes de renda mais alta, o ano passado proporcionou um alívio inflacionário. A diferença entre essas pressões pode ser explicada pelo peso das despesas com alimentos, energia e gás: elas comprometem 37% dos orçamentos mensais nas famílias mais pobres e 15% nas mais ricas”, afirmaram na Nota Técnica os pesquisadores do Ipea.

Acrescentou que, no ano passado, os itens que mais pesaram na cesta de consumo dos mais pobres foram arroz (76%), feijão (45%), carnes (18%), leite (27%) e óleo de soja (104%), além das tarifas de energia (9,2%) e do gás de botijão (9,1%).

No mesmo período, a parcela com renda mais alta da sociedade sentiu uma alta moderada de serviços como mensalidades escolares (1,1%) e serviços médicos e hospitalares (14,8%), além de deflações em itens consumidos majoritariamente por esse grupo, como passagens aéreas (-17%), seguro de automóvel (-8%) e gasolina (-0,2%).

“Embora tenha se mantido em dezembro o padrão inflacionário presente nos últimos meses, caracterizado pela aceleração dos preços dos alimentos no domicílio, o reajuste da energia elétrica e a alta nos preços dos serviços livres se revelaram focos de pressão adicionais no orçamento das famílias”, concluíram os técnicos no documento.

Desmonte bolsonarista

A discrepância entre os níveis inflacionários de famílias mais ricas e mais pobres resulta do desmonte promovido pelo desgoverno Bolsonaro em toda a estrutura de conselhos e câmaras de discussão que reuniam representantes do governo e das empresas. Nessas plenárias, poderiam ser buscadas alternativas dentro do próprio setor privado para acelerar a reconstrução de cadeias destroçadas pela crise, com apoio da rede de bancos públicos. Ou se negociar limites à exportação de bens e mercadorias, além da liberação pontual de importações nas áreas mais afetadas pela alta de custos, onde fosse possível.

No setor agrícola, não só foram abandonadas as políticas de formação de estoques reguladores, com o esvaziamento desses estoques, mas abriu-se mão de qualquer tipo de controle sobre as exportações. Movimento inverso ao de países do Leste Asiático, que adotaram políticas para preservar o abastecimento doméstico e segurar os preços cobrados dos consumidores durante as fases mais críticas da pandemia do coronavírus.

Entre janeiro e a primeira quinzena de novembro de 2020, a alta dos preços de arroz, carnes e óleo de soja respondeu por quase 36,1% da inflação acumulada no período. Isoladamente, os preços da carne suína responderam por pouco mais de um quarto da “inflação das carnes” e por quase 3,7% do IPCA acumulado naqueles 10 meses e meio. As exportações de carne suína, impulsionadas pela China, haviam aumentado 39,0%.

A safra de soja brasileira foi recorde no ciclo 2019/20, somando 124,84 milhões de toneladas. Mas as exportações do grão saltaram 23,7% no acumulado dos primeiros 10 meses de 2020 em relação a igual período de 2019, de 65,847 milhões para 81,432 milhões de toneladas – acréscimo de quase 15,6 milhões de toneladas.

A produção de arroz, que em 2011 superou 13,6 milhões de toneladas, havia recuado para 10,484 milhões de toneladas na safra 2018/19, mas avançou até 11,183 milhões de toneladas no ciclo seguinte. O problema foi que as exportações dispararam, diante do recuo das vendas nos maiores países produtores. O Brasil ocupou o espaço e elevou as exportações em quase 67,0%, de 790,2 mil para 1,319 milhão de toneladas.

Com o dólar mais alto, o boom de exportações de alimentos fez cair a oferta doméstica, estimulando produtores a acelerar o embarque da safra e ainda a reter parte da produção colhida diante da alta nos preços internos. Manobra especulativa que poderia ter sido desestimulada caso houvesse estoques para regular o mercado. E caso houvesse governo.

Redação da Agência PT

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