É cada vez maior a resistência contra o trigo transgênico em processo de avaliação na Comissão Técnica Nacional de Biosseegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Além dos consumidores, historicamente contrários a produtos que contêm organismos geneticamente modificados (OGM), a cadeia do trigo no Brasil se levanta de maneira contrária à aprovação, desde o setor de moagem do cereal até os fabricantes de massas, pães, biscoitos e demais derivados.
O trigo é um dos alimentos mais utilizados na mesa do povo brasileiro e de grande parte da população mundial. O Brasil tem centenas de variedades de fermentos de trigo. Para ao deputado João Daniel (PT-SE), coordenador do Núcleo Agrário da Bancada do PT na Câmara, a transgenia do trigo atende a interesses das grandes empresas multinacionais, que tem por interesse construir o pacote de controle das sementes, dos agrotóxicos e criam variedades resistentes a algum tipo de agrotóxico que vira monopólio.
“É um alimento que gera dúvidas para a saúde pública, nós somos contrários. Nós defendemos a manutenção das sementes, das variedades que são milenares e que precisam ser preservadas. Somos defensores do alimento saudável, da natureza e da vida”, afirmou.
O petista afirmou que o governo federal está a serviço das grandes corporações e não da população brasileira. “O governo Bolsonaro, o Ministério da Agricultura, o Ministério da Ciência e Tecnologia e o CTNBio, hoje, estão a serviço dos interesses das grandes corporações internacionais, em especial das que tem monopólio de sementes e as produtoras de agrotóxicos no mundo”, denunciou. “Isso não atende aos interesses da população brasileira”, enfatizou.
“Sempre usaram o discurso de que com os transgênicos haveria mais produção de alimentos, menos fome e redução no uso dos agrotóxicos. Tudo conversa fiada. A fome só aumentou e o uso dos agrotóxicos também. Basta ver a escalada no preço dos alimentos neste ano”, disse o deputado Padre João (PT-MG). E completou: “O que aumentou mesmo foi o lucro das indústrias do veneno e do agronegócio. O agro não tem nada de pop. Agora querem transformar até o trigo em transgênico. Chega!”.
Rechaço aos Transgênicos
“Nesses 20 anos que acompanho transgênicos, nunca tinha visto um rechaço tão forte por vários setores da indústria, sobretudo a de alimentos”, disse o agrônomo Gabriel Fernandes, que é doutor em História das Ciências e das Técnicas. De acordo com ele, que acompanhou audiência pública realizada por videoconferência nesta quinta-feira (22) pela CTNBio, representantes da Associação Brasileira da Industria de Panificação e Confeitaria (Abip), Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) e Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) foram enfáticos em seu posicionamento contrário à aprovação do trigo geneticamente modificado.
Segundo Gabriel, não há interesse por parte dos representantes da indústria alimentícia porque não existe demanda por parte dos consumidores. “O que existe é um grande receio de uma abertura do Brasil para a importação do trigo transgênico e para uma posterior liberação do plantio. Eles temem, com razão, a grande rejeição do mercado consumidor no país, cada vez mais preocupado com a qualidade da alimentação, com os riscos dos transgênicos associado ao uso de agrotóxicos cada vez mais perigosos à saúde e ao meio ambiente.”
Contaminação
Na audiência pública, integrantes da CTNBio ouviram posicionamentos a respeito do pedido de liberação comercial, para importação e uso na alimentação do trigo transgênico. Um pedido inédito, segundo Fernandes, devido ao fato de a aprovação na Argentina, no começo de outubro, estar condicionada à liberação no Brasil, que é o maior comprador do trigo argentino. “Um governo na dependência do outro, o que pode ser questionado do ponto de vista da soberania.”
Causa estranheza o fato de a empresa de biotecnologia que desenvolveu a semente, a Bioceres, já considerar a possibilidade de pedir a liberação também para o cultivo do trigo no Brasil.
A possibilidade é vista com muita preocupação. A julgar pelo que aconteceu com a soja, o milho e o algodão geneticamente modificados, é enorme a chance de contaminação de lavouras e da produção a partir da adoção do trigo transgênico. “Depois que contamina, então prevalece a ideia de que já está tudo perdido e que os produtores já adotaram essa semente transgênica. Ou seja, prevalece a política do fato consumado”, disse Gabriel.
Agrotóxico perigoso
O agrônomo chamou atenção para um aspecto que tem sido pouco explorado pela imprensa comercial brasileira e também a argentina: a modificação genética para tornar a planta resistente ao agrotóxico glufosinato de amônio. “Fala-se muito apenas na resistência ao estresse hídrico, ou seja, à seca. Parecem querer esconder a resistência ao herbicida que é mais tóxico que o glifosato e que ainda não estudado como deveria.”
Um dos fabricantes do glufosinato é a Bayer, com sede na Alemanha, onde o produto não pode ser usado, já que a União Europeia não aprovou o herbicida, justamente pela toxicidade. “Seria um enorme retrocesso aprovar a liberação para importação, que na verdade é uma porteira aberta para a “passagem da boiada”, que introduz o trigo transgênico no Brasil, abrindo assim um mercado enorme para esse agrotóxico que já foi proibido em vários outros países.”
A expectativa é de que a forte – e inédita – pressão da indústria iniba a colocação do pedido de liberação na pauta da CTNBio. Uma vez colocado em votação, há grandes chances de aprovação. A comissão tem um histórico de liberar sem restrições organismos geneticamente modificados, apesar da insuficiência e falhas metodológicas das pesquisas apresentadas pela empresa interessada na obtenção da liberação. E, como em um balcão de negócios, a maioria do plenário, que sempre vota a favor, o faz na ausência de debates e de dúvidas, contrariando a boa ciência.
Lorena Vale com Rede Brasil Atual