Ao completar praticamente um terço de seu mandato, Jair Bolsonaro já havia comprovado à exaustão seu despreparo e sua incompetência para exercer o cargo que ocupa. Agora, após a entrevista do demissionário ministro Sergio Moro, sua permanência no cargo se tornou ainda mais insustentável, a partir das acusações de aparelhamento da Polícia Federal e de falsidade ideológica no ato de demissão do diretor-geral Maurício Valeixo.
Razões para o seu afastamento já existiam. Nestes dezesseis meses, sua ação limitou-se a agravar as condições de vida do nosso povo e semear o ódio entre os brasileiros como estratégia de governo, com uma postura avança-e-recua e a difusão de mentiras grosseiras através de sua rede digital composta de robôs e de fanáticos seguidores, coordenados pelo chamado “gabinete do ódio”. Nomeou figuras irrelevantes e medíocres para seu ministério, cercou-se de militares que assumem o caráter antinacional de seu governo e, o que é pior, buscam de forma vergonhosa partidarizar as Forças Armadas que pertencem a todos os brasileiros.
Bolsonaro cometeu e comete uma infinidade de crimes de responsabilidade passíveis de perda de mandato, hostiliza as instituições, afronta os poderes, ofende nações com as quais o Brasil mantém relações comerciais estratégicas para nossa economia, agride permanentemente o pensamento científico e as universidades, e ataca permanentemente o trabalho dos jornalistas e a liberdade de imprensa.
Este quadro já era observado antes da pandemia, quando o projeto ultraliberal capitaneado por Paulo Guedes empurrava o país para uma crise sem precedentes, a economia derretendo, os trabalhadores perdendo empregos e sendo empurrados para a incerteza da informalidade e da precarização, as populações mais vulneráveis sendo jogadas à pobreza extrema sem o amparo de políticas sociais, que estão sendo destruídas a passos largos.
A tragédia do coronavírus evidenciou de forma inapelável a catástrofe que representa o governo Bolsonaro/Mourão para o país, seu desapreço pela vida humana, seu desprezo pelos interesses nacionais e seu desapego à democracia. A conduta do presidente diante da pandemia é espantosa. Sabota reiteradamente os procedimentos necessários para preservar a saúde pública. Exemplo disso é o permanente ataque que faz ao necessário isolamento social. Não apresentou um plano viável e transparente sobre a ampliação do número de leitos de UTI com respiradores, bem como de leitos para internações. Não providenciou a tempo a compra de testes para mapear a evolução da pandemia. Relaxou na compra em tempo hábil dos equipamentos de proteção individual indispensáveis para os trabalhadores da área da saúde e aos outros que se submetem a esses ambientes.
Essa postura nefasta, por certo, não será esquecida pelo povo brasileiro, especialmente pelas famílias das milhares de vítimas fatais. Antes da covid-19, o país já fora infectado pela doença desagregadora, autoritária e desumana do bolsonarismo, e dela é preciso se curar, caso contrário o futuro do Brasil estará irremediavelmente contaminado.
Não se acuse a oposição de tramar contra Bolsonaro. Durante esses trágicos dezesseis meses, ao mesmo tempo em que criticou sua postura de governante e o projeto que representa, a oposição apresentou projetos sérios para a retomada do crescimento, através de investimentos públicos, da retomada das políticas sociais e de alterações tributárias que podem dotar o país de receitas importantes – e que se tornaram ainda mais urgentes durante a pandemia. Em nome dos valores democráticos, a oposição foi tolerante até o limite. Procurou esclarecer setores induzidos ao erro, que inicialmente se deixaram seduzir pelo “mito”, sobre o que de fato este mito representava na vida real. Muitos desses setores abandonaram o bolsonarismo, mas Bolsonaro ainda mantém uma base bastante impermeável aos argumentos da racionalidade e reage com um autoritarismo e uma violência cada vez maiores. Resta saber como essa base reagirá às denúncias do ex-ministro Moro.
Hoje, cada vez mais brasileiros percebem que o governo Bolsonaro/Mourão faz mal ao país. Pelo bem do Brasil, essa tragédia precisa terminar o quanto antes.
* Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS) – Artigo publicado originalmente no GGN