É preciso olhar o que está por trás das queimadas. Esse foi um dos alertas feitos pela representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Valéria Pereira dos Santos, durante audiência da comissão externa que acompanha o enfrentamento das queimadas no Brasil, nesta quinta-feira (8). Na oitava audiência, o colegiado ouviu setores que compõem organismos eclesiásticos, pastorais, e instituições que atuam em defesa dos direitos humanos.
“É preciso olharmos quem está por trás dessas queimadas. A grilagem de terra, o avanço das monoculturas, e os grandes projetos que avançam nas fronteiras agrícolas que têm causado a autodestruição de fontes de água, de campos e de florestas”, alertou Valéria.
Segundo ela, o Cerrado está sendo tomado pelas monoculturas de forma desenfreada. “Infelizmente, a boiada está passando, destruindo, causando danos irreversíveis ao modo de vida não só das populações no campo, mas também da população em geral”, constatou.
A representante da CPT reconheceu que a situação pela qual passa um dos principais biomas brasileiros é crítica e preocupante. “Nós, enquanto Pastoral da Terra, entendemos que é preciso combater as causas desses crimes. Entendemos que essas queimadas não são desastres naturais. São crimes ambientais e crimes que têm um objetivo”, denunciou.
“São queimadas que estão muito relacionadas com toda esta cadeia de grilagem de terras e com o desmatamento. As pesquisas, os inquéritos apontam para isso. É uma situação de ataque direto às populações de territórios tradicionais, dos povos indígenas”, acusou Valéria dos Santos.
Ações articuladas
Na opinião de Valéria, há a necessidade de combater as queimadas, as suas causas, e não apenas olhar as consequências delas. Ela defende também ações articuladas para enfrentar o problema.
“Ou buscamos articular ações, não somente por bioma, mas ações de conscientização, de combate e de reconhecimento dessas causas, ou vamos chegar a um caos total. E já estamos vivendo um caos: estamos em meio a uma pandemia, em que as pessoas precisariam estar cuidando da sua saúde e do ar que respiram, e elas têm que tentar salvar suas vidas contra os fogos, contra os incêndios. É importante olhar para isso”, apontou.
O padre Marco Antônio Ribeiro, da Diocese de Corumbá, corroborou a avaliação da representante da CPT em relação à função das queimadas no Pantanal. “A queimada aqui tem duas funções. Ela tem a função de limpar a área, para se ter menos gastos, e ela tem a função de expulsar as comunidades ribeirinhas, pantaneiras nativas, para deixar a área livre, para tornar a área não usável momentaneamente, para posteriormente ser utilizada”, enfatizou.
De acordo com o sacerdote, não é real a fala de que essas queimadas foram provocadas pelos ribeirinhos, pantaneiros e indígenas. “Não é, porque eles vivem aqui há tempos anteriores, eles conhecem a região, eles sabem o que precisa ser preservado para que possam continuar vivendo ali”, defendeu.
Planejamento
Dom Juventino Kestering, representante da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga, no estado de Mato Grosso, afirmou que o seu olhar sobre o Pantanal reconhece a necessidade de medidas que vão além desse momento de catástrofe ambiental.
“É preciso prevenir. Agora está queimando, praticamente já queimou tudo. Queimou por quê? É claro que este ano houve uma estiagem maior, um calor maior, mas a grande causa é a falta de um planejamento e de uma prevenção. O planejamento deveria ter acontecido não agora, agosto, setembro, deveria ter acontecido em dezembro, janeiro, fevereiro, março. Deveria ter havido um plano de ação para preservar o Pantanal, um plano nacional que integrasse a esfera federal, estadual, municipal e os que moram, residem no Pantanal”, criticou.
Para o religioso, é necessária atuação conjunta dos governos e da sociedade visando o progresso econômico do estado e do País, mas com sustentabilidade ambiental, proteção das nascentes dos rios que formam o bioma, plano de prevenção aos incêndios e brigadas permanentes de combate ao fogo.
Encíclica Papa Francisco
A coordenadora da comissão, deputada Professora Rosa Neide (PT-MT), destacou trecho da encíclica Laudato Si, do Papa Francisco: ‘O urgente desafio de proteger nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca do desenvolvimento sustentável’.
“Estar aqui hoje e ouvi-los é de fundamental importância. Acreditamos numa sociedade que pode tomar a iniciativa de mudar de conceitos, da preocupação que foi demonstrada no mundo inteiro pelo Papa do cuidado com a Casa Comum, de nos entendermos como irmãos, fraternalmente, vivendo na mesma casa”, disse Rosa Neide.
De acordo com a parlamentar, “animais, vegetais e humanos estão sofrendo fortemente, pelas atitudes tomadas historicamente, que têm desfecho trágico neste momento”.
Na mesma linha, o pastor Teobaldo Witter do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) afirmou: “ao ser humano cabe cuidar da Casa Comum. Somos partes da criação e não donos da criação. Temos que cuidar da nossa terra, nossa natureza, nosso povo mais simples e das comunidades”.
Rios voadores
Para o padre Marco Antônio Ribeiro, da Diocese de Corumbá (MS), a maior seca dos últimos 47 anos no Pantanal, combustível para os maiores incêndios da história do bioma tende a se repetir nos próximos anos caso não seja interrompida “a acelerada devastação da floresta amazônica”.
“É da floresta que vem os rios voadores que alimentam de chuvas nossa região e os rios que formam o Pantanal, mas estão devastando a floresta para expandir pastagens e monoculturas, assim destruindo o sistema dos rios voadores. Estão acabando com as chuvas em nossa região”, destacou. Padre Marco Antônio criticou também o que chamou de queimadas criminosas no Pantanal para extensão de pastagens. “Estão transformando nosso Pantanal em Pastanal”.
Preservação do bioma
Paulo Roberto Maldos, representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, afirmou que a comissão externa precisa debater e apresentar saídas para projetos que estão sendo pensados para a região do Pantanal, como os projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) nos rios do Pantanal e da hidrovia no rio Paraguai. “Precisamos apagar os incêndios agora e continuar na luta pela preservação do Pantanal. Por isso não podemos aceitar que esses projetos continuem, pois causarão mais impactos do que já estamos vivenciando”, observou.
Maldos também cobrou debate sobre a atividade do garimpo no entorno do bioma, a questão do lixo e dos agrotóxicos que chegam à planície alagável proveniente das grandes cidades e das plantações de monoculturas no planalto pantaneiro. Para o religioso, “as igrejas e comunidades pastorais precisam fazer o debate e a conscientização sobre a preservação dos biomas, da nossa Casa Comum”.
Já na avaliação do religioso e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Luiz Augusto Passos, “o universo sofre neste momento pela violência dos interesses pessoais, que colocam o lucro financeiro acima dos interesses do planeta, da natureza”.
Saídas e soluções
Durante a intervenção dos parlamentares, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) agradeceu aos palestrantes pelo que chamou de “denúncia profética”. “Vocês foram as vozes daqueles que não têm voz no bioma do Pantanal. Das plantas e animais que estão sendo dizimados, mas também daqueles que não aparecem na mídia, dos quilombolas ribeirinhos e indígenas. Vocês fazem a denúncia com coragem e nos apresentam saídas e soluções”, elogiou.
Na opinião do deputado Célio Moura (PT-TO), a comissão externa é a mais importante em atividade no Congresso. Ele disse que desde fevereiro vem alertando, em discurso feito no plenário da Câmara, sobre as queimadas na Amazônia. “Percebemos que em 2020 a situação está pior que 2019, pois todos os biomas estão em chamas, com o Pantanal sendo o mais atingido”, afirmou o deputado.
“Com Ricardo Salles no Meio Ambiente e Bolsonaro na Presidência a situação continuará se agravando. Mas aqui no Parlamento brasileiro nós faremos a nossa parte. Lutaremos contra essa política de destruição dos nossos biomas”, adiantou Célio Moura.
A audiência ainda contou com participação dos deputados: Paulo Teixeira (PT-SP), Merlong Solano (PT-PI) e Vander Loubet (PT-MS).
Benildes Rodrigues