Especialistas e parlamentares petistas acusaram o governo Bolsonaro de inação frente à escalada dos preços dos alimentos no País, em meio ao cenário de crise social e econômica que já levou milhões de brasileiros à miséria. Durante audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, que debateu “o aumento dos preços dos alimentos”, o atual governo foi cobrado sobre o abandono das políticas públicas de formação de estoques reguladores e para mitigar a fome que assola cerca de 20 milhões de brasileiros.
Durante a reunião, representantes do Ministério da Economia, e da Agricultura, se restringiram a analisar as causas que levaram ao aumento abusivo dos alimentos desde o início da pandemia. A exemplo do presidente Jair Bolsonaro, preferiram eximir o governo de qualquer responsabilidade pelo problema jogando a culpa na pandemia da Covid-19. Segundo eles, uma série de fatores como a crise econômica mundial, o desabastecimento de insumos e matérias-primas, a desvalorização do real frente ao dólar, aumento dos combustíveis e, até mesmo o aumento da demanda, causaram a alta de preços.
Vários participantes da audiência pública por meio virtual discordaram da visão de técnicos do governo de que o motivo da alta se restringe apenas ao cenário internacional. Segundo o professor da Universidade do Recôncavo da Bahia (UFRB), Sílvio Porto, o governo Bolsonaro tinha, e ainda tem, instrumentos para combater a alta de preços e auxiliar os brasileiros que passam fome.
Estoques reguladores
“Vi os representantes do governo apontarem o diagnóstico, mas não apresentaram solução para essa crise. Nesse sentido, digo que grande parte do problema está na concentração fundiária e de produção, além da política cambial e de falta de estímulo à produção da agricultura familiar. Fica fácil, então, o governo colocar toda a culpa na crise externa, enquanto nem ao menos tenta mudar esse modelo, não estimulando a produção para consumo interno e a política de estoques reguladores de preços”, acusou.
Segundo o professor, se o governo não investir em estoques reguladores o Estado fica como expectador da alta de preços, “esperando que o mercado se autorregule”. Por meio da apresentação de um gráfico, Sílvio Porto mostrou que, em 2011, quando o Brasil exportava pouco mais de 300 mil toneladas, o estoque público do produto superava 1,5 milhões de toneladas. “Se tivéssemos isso em estoque durante a pandemia, o preço do arroz não teria explodido por conta da exportação de 1,8 milhões de toneladas”, explicou.
Sobre o impacto negativo da falta do estoque de alimentos, a pesquisadora do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Patrícia Costa também deu o exemplo da alta no preço do arroz. Segundo ela, enquanto o arroz agulhinha custava em agosto de 2019 em São Paulo, R$ 2,87 o quilo, passou no mesmo mês e estado em 2021, para R$ 4.
De acordo com a pesquisadora, o mesmo ocorreu com o preço de vários outros produtos, como a carne. Como comparação da escalada de preços, ela lembrou que 1 quilo de carne de primeira custava em São Paulo, em agosto de 2019, R$ 25 e em outubro deste ano, no mesmo estado, custava R$ 44 o quilo.
Presente ao debate, o coordenador do Índice de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Gustavo Leite, apontou ainda outros aumentos absurdos. Segundo ele, em 2020 o preço do óleo de soja subiu 103%, o arroz 76%, o leite longa vida 26%, as frutas 25% e as carnes 17%. A representante do Dieese informou ainda que, em 2020, a inflação da cesta básica chegou a 32% em Salvador, enquanto a inflação oficial foi de 5,5%.
“Isso representou uma enorme perda de poder de compra da população, principalmente a mais pobre. Pode até ser que, daqui para a frente, a inflação tenha uma redução, mas hoje o Brasil passa fome. Por isso precisamos de políticas pública do governo, como os estoques reguladores, para tentar abaixar o preço dos alimentos”, defendeu Patrícia Costa.
Para o deputado Leo de Brito, que presidiu a reunião e foi o autor do requerimento que viabilizou o debate, o governo Bolsonaro precisa assumir sua responsabilidade perante o povo brasileiro e adotar políticas públicas imediatas para evitar a alta abusiva de preços.
“Essa situação da alta dos alimentos preocupa, principalmente por conta da segurança alimentar dos brasileiros. O Brasil, que tinha saído do Mapa da Fome, voltou recentemente a essa dura realidade de ver pessoas nas ruas pedindo comida, na porta dos supermercados ou até gritando por alimentos em meio a prédios. Infelizmente os burocratas de Brasília não conseguem enxergar isso, enquanto os exportadores que ganham rios de dinheiro vêm a Brasília para apoiar o presidente”, observou.
Alta de preços estimula a má alimentação
Além da redução do consumo e da falta de alimentos, a nutricionista e representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) Patrícia Gentil afirmou que a alta de preços também estimula o consumo de alimentos prejudiciais à saúde, porém mais baratos, como no caso dos alimentos ultraprocessados. Como exemplo desse fato, Gentil disse que em 2020 esse tipo de alimento respondia por 9% do total do consumo dos brasileiros. Em 2021, o percentual de consumo foi para 16%.
“Os alimentos mais saudáveis, como frutas, verduras e legumes, tiveram uma elevação no preço muito superior aos alimentos ultraprocessados. Isso nos preocupa porque esse aumento estimula a má alimentação, principalmente da população da baixa renda, que passa a consumir mais produtos que causam sobrepreso, obesidade e que aumentam os casos de adoecimentos, trazendo impactos ao SUS e na qualidade de vida”, ressaltou.
Abandono da agricultura familiar
Durante a audiência pública também foi debatido o estado de abandono da agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro. Sílvio Porto lembrou que o governo Bolsonaro destinou neste ano recursos irrisórios para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ainda vetou dois projetos aprovados no Congresso (Lei Assis Carvalho 1 e 2, de autoria da Bancada do PT), que auxiliava os agricultores familiares atingidos pela pandemia.
Também participante da reunião, o deputado Padre João (PT-MG) criticou a inação do governo no combate à alta do preço dos alimentos. Ele lembrou que, enquanto 20 milhões de brasileiros passam fome, o governo trata de excluir 25 milhões de brasileiros do Bolsa Família ao lançar um novo programa social.
“Como foi dito aqui, o estoque regulador é estratégico. Porém, o que temos é o desmonte das políticas como o PAA, que está arrebentando com a agricultura familiar. É muito triste a situação do País. O governo não está nem aí para a população, enquanto os exportadores de soja nunca lucraram tanto dinheiro, enquanto a população passa fome”, lamentou.
Héber Carvalho