Em artigo publicado nesta quinta-feira (27) no portal do jornal O Globo, o deputado federal Beto Faro (PT-PA) denuncia que a participação do governo brasileiro na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), a partir de domingo (31), em Glasgow, deverá provocar mais um vexame do País no cenário internacional, “para vergonha e constrangimento dos brasileiros”. Beto Faro qualifica como “bisonha” a iniciativa já anunciada de “transferir ao mercado a responsabilidade indelegável do Estado na condução da participação do País no esforço global pela garantia das condições de vida futura no planeta”.
O deputado cita especificamente a CPR (Cédula de Produto Rural), um título emitido por produtores rurais, pessoas físicas e jurídicas, e por suas cooperativas agropecuárias, para a venda de créditos de carbono. Entre outros problemas, o parlamentar do PT ressalta que o decreto que regulamentou a CPR Verde deixa margem para o lançamento de títulos sobre áreas de Reserva Legal e de Proteção Permanente. “Essa possibilidade seria uma fraude, porquanto tratar-se de áreas de proteção legal que não representam adição de sequestro de carbono, sendo que na outra ponta o comprador do título utilizaria esse volume de carbono para abater as suas emissões”, afirma Beto Faro. Além disso, a iniciativa cria blindagem do latifúndio improdutivo à desapropriação.
Leia a íntegra do artigo:
COP-26 – A fraude chamada CPR Verde
Por Beto Faro (*)
Com a crescente degradação da imagem do Brasil no exterior, o governo Jair Bolsonaro deverá tentar de tudo para reverter esse quadro na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26) a partir de domingo, em Glasgow. Já se pode prever que essa estratégia deverá transformar a conferência em palco de mais um vexame do atual governo no cenário internacional, para vergonha e constrangimento dos brasileiros.
Uma iniciativa bisonha já anunciada pretende transferir ao mercado a responsabilidade indelegável do Estado na condução da participação do país no esforço global pela garantia das condições de vida futura no planeta.
Neste mês, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, reuniu-se com a bancada ruralista no Congresso Nacional para discutir a COP-26 e as contribuições da agricultura no cumprimento das metas do Brasil para a redução das emissões. Ele disse que o ‘empreendedorismo’ será a base das ações para a sustentabilidade a serem apresentadas pelo governo em Glasgow.
A cereja do bolo do tal ‘empreendedorismo brasileiro’ será a chamada ‘CPR Verde’ — Decreto nº 10.828/2021. A CPR (Cédula de Produto Rural) é um título emitido por produtores rurais, pessoas físicas e jurídicas, e por suas cooperativas agropecuárias. Ele gera antecipação de crédito a ser honrado com a entrega futura de um produto agropecuário, na forma física ou financeira. O título foi criado pela Lei nº 8.929/94 e recentemente modificado por meio da chamada ‘Lei do Agro’ — Lei nº 13.986, de 2020.
Pretende-se com a CPR Verde a extensão desse título para uma commodity intangível, que é o carbono. Assim, converte-se o título CPR, também, numa modalidade de pagamento por serviços ambientais. Com o título, agricultores poderão emitir títulos em valores correspondentes ao volume de CO2, por exemplo, de determinadas áreas de florestas nativas das fazendas. Esse título, valorado conforme metodologia definida, poderá ser adquirido por uma empresa na Europa de acordo com prazo e condições de pagamento previamente estabelecidos. Em contrapartida, esta empresa poderá utilizar o ‘CO2 comprado’ para compensar o carbono por ela eventualmente emitido em volume equivalente ao referenciado pelo título adquirido.
São legítimas as remunerações aos agricultores por condutas ambientais positivas, mas há problemas sérios com a proposta do governo a ser apresentada na COP-26?
Em primeiro lugar, instrumentos de caráter voluntário pelos agentes privados não têm potência para dar as respostas esperadas do Brasil em termos de redução das emissões. Na melhor das hipóteses, seriam acessórias às indispensáveis ações efetivas de comando e controle pelo poder púbico para conter a devastação da Amazônia e de outros biomas.
De outra parte, a CPR Verde será de utilidade, isso sim, para a blindagem do latifúndio improdutivo à desapropriação. Afinal, ao emitir o título, um latifúndio improdutivo na Amazônia, por exemplo, automaticamente estaria imune à desapropriação para fins de reforma agrária pelo prazo do título. O governo Bolsonaro pretende uma espécie de chantagem internacional ao condicionar as ações de preservação ambiental no Brasil ao envolvimento/financiamento externo.
O decreto que regulamentou a CPR Verde deixa margem para o lançamento de títulos sobre áreas de Reserva Legal e de Proteção Permanente. Essa possibilidade seria uma fraude, porquanto tratar-se de áreas de proteção legal que não representam adição de sequestro de carbono, sendo que na outra ponta o comprador do título utilizaria esse volume de carbono para abater as suas emissões.
Considere-se, também, que o carbono jamais irá competir com as commodities tradicionais. Exceto no caso dos imóveis deliberadamente mantidos improdutivos, será que um fazendeiro vai deixar de derrubar floresta para criar gado ou plantar soja, milho, cana e outras culturas para vender carbono? Não bastasse, é de questionar: qual a credibilidade do governo Bolsonaro na esfera internacional para emplacar instrumentos da espécie?
Beto Faro (PT-PA) é deputado federal e relator setorial de meio ambiente da Comissão Mista de Orçamento da Câmara
Artigo publicado originalmente no portal do jornal O Globo