Ex-secretário em Manaus diz que recursos federais chegaram tarde, e Zé Ricardo denuncia também omissão estadual

Deputado Zé Ricardo atribui causa da tragédia em Manaus aos governos federal, estadual e municipal. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Durante depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (15), o ex-secretário de Saúde do governo do Amazonas Marcellus Campêlo afirmou que recursos foram solicitados ao governo federal, mas que os repasses destinados ao estado chegaram tarde. Segundo ele, em 2020 foi enviado um oficio ao Ministério da Saúde solicitando ajuda diante do número elevado de casos da doença. O governo estadual solicitou entre outros, reforço de pessoal, medicamentos e equipamentos.

“Os repasses de recursos do Governo Federal, quando chegam, chegam num momento de diminuição de taxas de internação”, afirmou Campêlo que esclareceu que 85% da rede é dependente do Sistema Único de Saúde (SUS) no estado e 82% dos custos são bancados com recursos estaduais e outros 18%, federais.

Marcellus Campêlo afirmou que o ofício foi enviado no dia 31 de dezembro de 2020, solicitando apoio do governo federal. Dessa forma, Campêlo desmente as informações fornecidas pelo ex-ministro Eduardo Pazuello e a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro – conhecida como “capitã cloroquina” -, que disseram na CPI, que a solicitação chegou apenas em janeiro deste ano.

Para o deputado Zé Ricardo (PT-AM) essas declarações do secretário de Saúde revelam a omissão do Governo Federal. Segundo o parlamentar, essa é uma situação que ele vem denunciando desde o ano passado. “O governo federal ajudou muito pouco o estado do Amazonas, foi muito lento nas ações e, principalmente, no começo desse ano, no momento mais dramático”, criticou.

Segundo o parlamentar, o que está sendo mostrado, é que o secretário estava alertando sobre “a necessidade do apoio, inclusive da questão do oxigênio e de mais infraestrutura para poder atender os pacientes e o colapso em relação às vagas de UTI”.

Capitã cloroquina

Durante a oitiva, Marcellus Campêlo relatou que o primeiro encontro com Mayra, ocorreu em 4 de janeiro e que o foco do encontro era tratamento com medicamentos sem eficácia contra a Covid. Nesse período, Manaus já vivia um cenário de agravamento da pandemia, com escalada da demanda por respiradores e escassez na oferta de oxigênio. Dias depois, a rede de saúde da capital amazonense entraria em colapso.

“Em 4 de janeiro, recebemos a secretária Mayra Pinheiro. Estivemos juntos com o governador e com a presença da imprensa. Vimos uma ênfase da doutora Mayra Pinheiro em relação ao tratamento precoce e relatando um novo sistema que poderia ser utilizado e que seria apresentado oportunamente, o TrateCov”, disse ele à CPI da Covid.

Vale ressaltar que, desde o início da pandemia, o governo Jair Bolsonaro incentivava a utilização de remédios como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina. Essa ação do governo é um dos pontos de interesse da CPI.

Pazuello sabia

No começo do ano, o estado do Amazonas foi acometido por uma intensa aceleração dos efeitos da pandemia, falta de acesso a oxigênio medicinal e desabastecimento de insumos hospitalares. Reportagem do UOL mostrou hoje que o Ministério da Saúde sabia da escassez de respiradores no Amazonas desde 18 de dezembro, um mês antes da crise se instalar no estado. A primeira equipe da pasta, entretanto, foi ao estado apenas em 4 de janeiro.

Segundo documento enviado pelo Ministério da Saúde aos senadores da CPI, a equipe foi enviada para fazer um “diagnóstico situacional de saúde e apoio emergencial”. O material detalha, em ordem cronológica, as ações da pasta realizadas in loco a partir de 4 de janeiro. O expediente operacional só teve início, de fato, em 8 de janeiro, após quatro dias de “diagnóstico”.

Na parte do relatório referente a 10 de janeiro consta que a “prioridade zero nos serviços no dia de hoje” era “o suprimento de oxigênio e balas de O2 para os hospitais, SPA, UPAS do estado do Amazonas”, entre outras atividades.

Em depoimento à CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou ter tomado conhecimento do desabastecimento de oxigênio hospitalar somente em 10 de janeiro. Já Mayra Pinheiro disse à comissão que Pazuello foi informado do problema dois dias antes, em 8 de janeiro.

Segundo Campêlo, o ministro Pazuello foi procurado antes da crise. “Fiz uma ligação ao ministro Pazuello no dia 7 de janeiro por telefone explicando a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio de Belém a Manaus, a pedido da White Martins [fornecedora dos cilindros]. A partir daí, fizemos contato com o Comando Militar da Amazônia, por orientação do ministro, para fazer esse trabalho logístico”, disse Campêlo à CPI.

“Não houve resposta, que eu saiba”, emendou ele.

Outros ofícios foram encaminhados ao ministério e a Pazuello nos dias 9, 11, 12 e 13 de janeiro com pedidos de apoio logístico. Dias depois, o estado sofreria com a falta de leitos para pacientes com covid-19 e o desabastecimento de insumos básicos. Pessoas morreram nos hospitais sem acesso a oxigênio.

Omissão estadual

Zé Ricardo não poupou crítica ao governo do Estado. “O governo estadual insistiu no processo de contratar empresa privada para seu hospital de campanha, não trabalhou na expansão efetiva, das estruturas que o estado dispõe para abrir hospitais e em de locais que poderiam ser trabalhados para o número de vagas. Isso também tá muito claro, não só pela CPI, mas pelo que a gente já questiona, desde o ano passado: essa morosidade e inoperância do próprio governo do estado”, lamentou.

Mortes poderiam ser evitadas

“O certo é que nós tivemos aqui mortes, que poderiam ser evitadas, seja pelo oxigênio, seja pelas vagas (UTI) poderiam ser disponibilizadas e pela rapidez de ações do governo federal, que não aconteceu, mas também se somou, em vários momentos, à inoperância do governo do estado, além da Prefeitura”, reiterou Zé Ricardo.

Denúncia ao MP

O deputado relatou que toda esse essa situação relacionada à falta de estrutura, inoperância do governo, falta de oxigênio, ações demoradas que combinaram com mais mortes, “tudo isso foi relatado no extenso trabalho que a gente fez, no levantamento, e denunciado nos ministérios Público Estadual e Federal e encaminhado, agora, para a CPI do Senado”.

“Então, a gente espera que isso também possa contribuir para elucidar tudo que aconteceu aqui no Amazonas e as mortes que poderiam ter sido evitadas”, relatou.

Benildes Rodrigues com informações da UOL e RBA

 

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