Apesar de não estarem nas escolas, os estudantes da rede pública devem receber a alimentação escolar por meio da distribuição de cestas de alimentos durante a pandemia, conforme prevê o uso de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE/MEC).
No entanto, levantamento feito durante os meses de agosto e setembro pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), aponta que, em 2020, a produção de 44% dos grupos de agricultores familiares da região Nordeste e/ou Semiárido deixou de ser comprada por meio do Programa Nacional de Alimentos (PNAE).
A região foi escolhida para a pesquisa por concentrar, historicamente, um grande número de pessoas em situação de pobreza e miséria do país. Foram consultados 168 grupos produtivos de agricultores familiares e pescadores artesanais que fornecem alimentos para as escolas públicas, presentes em 108 municípios da região.
O PNAE é uma política pública reconhecida mundialmente como estratégia de segurança alimentar e nutricional do Brasil, atendendo a mais de 40 milhões de alunos da rede pública. Para mitigar a insegurança durante a pandemia, a própria lei federal que dispões sobre alimentação escolar foi alterada. No final de março, a Lei Federal nº 11.947/2009 modificada passou a autorizar a distribuição de gêneros alimentícios, adquiridos com recursos do PNAE, diretamente aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica.
Mariana Santarelli, que compõe a FBSSAN e é relatora da Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, relembra que há alguns anos a alimentação escolar se resumia a biscoitos, sucos de pacotes e sopas artificiais, mas a partir de 2009, com a determinação de que no mínimo 30% dos alimentos sejam adquiridos da agricultura familiar, houve um grande avanço não apenas para a saúde dos estudantes, mas para a renda de agricultores.
“Isso tudo favorece muito a organização camponesa, em cooperativas, em associações, para muitos grupos de mulheres que fornecem para o PNAE. Isso tudo é muito relevante do ponto de vista da qualidade da alimentação e da saúde das crianças e adolescentes, como da geração de renda para esses agricultores, povos e comunidades tradicionais e comunidades quilombolas que fornecem para o programa”, diz Santarelli.
Inclusive, a queda na renda dos agricultores também é um dos dados alarmantes do levantamento. Em 2019, aproximadamente 4,5 mil produtores de alimentos, destes 168 grupos produtivos, tiveram um rendimento de aproximadamente R$ 27 milhões. Neste ano, em plena pandemia, os mesmos grupos venderam apenas o equivalente a R$ 3,6 milhões, até setembro.
Apesar de alarmante nesse momento de pandemia, Mariana lembra que a queda já vem acontecendo há cerca de dois anos, com o desmonte de políticas públicas de combate à fome e apoio à reforma agrária. “Essa interrupção que a gente está percebendo agora durante a pandemia é bastante grave, mas já é uma tendência que a gente vinha observando nos últimos dois anos, desde que entraram esses governos que não são muito atentos à questão do combate à fome, à segurança alimentar e com o desmonte de políticas públicas fundamentais”, afirma.
Diante da redução no fornecimento, 45% destes coletivos se engajaram em iniciativas de doação de alimentos por meio de iniciativas de solidariedade e também como forma de evitar o desperdício alimentar, em meio ao crescente índice de fome, desemprego e miséria no país.
Os produtores da agricultura familiar do MST, por exemplo, mantém campanhas de solidariedade e já doaram mais de 3.400 toneladas de alimentos em todo o país, somando-se a ações da Campanha Periferia Viva e a iniciativa Vamos Precisar de Todo Mundo.
Para a ASA, a redução de 44% dos grupos de agricultores fornecedores ao PNAE e o consequente declínio na entrega dos alimentos, prejudica além de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, produtores da agricultura familiar e o país como um todo.
“A gente fica sem entender porque os prefeitos bloqueiam esse processo. A gente fica sem entender o que está por trás desse empecilho, dessa decisão política de não fazer valer o PNAE. E a gente avalia que o fundamental agora, é a sociedade se mobilizar”, explica Naidison Quintella, coordenador nacional da ASA pelo estado da Bahia.
A fim de mobilizar a sociedade e pressionar as gestões públicas em defesa da aquisição e fornecimento de alimentos saudáveis aos estudantes do país, no próximo dia 4 de novembro, a FBSSAN, a ASA e a Plataforma DHESCA realizarão uma Audiência Popular pela internet, a fim de que voltem a comprar alimentos das famílias agricultoras, mesmo durante a pandemia.
Por Brasil de Fato