Erika Kokay: O drama kafkaniano de Dilma Rousseff

Erika Salu

Em artigo, a deputada Erika Kokay (PT-DF) faz um paralelo entre o drama de Josef K, um cidadão que é preso e submetido a um longo e incompreensível processo por um crime não explicado e que ele não cometeu, personagem principal do livro O Processo, de Franz Kafka, e o drama vivido pela presidenta Dilma Rousseff. “Tal qual o protagonista de O Processo, a presidenta Dilma tem sido vítima de um processo violento, ilegal e injusto. Não cometeu crime algum, não possui contas na Suíça, não é investigada, nem é ré em nenhum processo por corrupção. Mesmo assim, está sendo submetida a um impeachment político revanchista, com embasamento jurídico frágil e improcedente”, diz o texto. Leia a íntegra

O drama kafkaniano de Dilma Rousseff  

*Erika Kokay

“Não é da nossa incumbência darmo-lhes explicações. Volte para o seu quarto e aguarde. O processo já está a correr, e você será informado de tudo na devida altura”. Não, essa não é uma transcrição de diálogo entre um dos inquisidores do impeachment e a presidenta Dilma Rousseff.

Trata-se de um trecho do romance, O Processo, do escritor Tcheco, Franz Kafka, que conta a história de Josef K, um cidadão que é preso e submetido a um longo e incompreensível processo por um crime não explicado e que ele não cometeu.

O drama vivido pela presidenta Dilma diante do processo de impeachment guarda inúmeras semelhanças com o romance kafkaniano.

O personagem de Kafka mantém viva a esperança de que todo o mal entendido poderia ser esclarecido quando fosse convocado para um interrogatório. Ledo engano. K deparou-se com inquisidores rudes e agressivos que o ameaçavam e faziam chantagens.

Em toda a narrativa, K segue sem conhecer o motivo de estar sendo processado e preso, luta incessantemente para descobrir qual era a acusação que pesava sobre si, quem o acusava e com que embasamento legal.

Tal qual o protagonista de O Processo, a presidenta Dilma tem sido vítima de um processo violento, ilegal e injusto. Não cometeu crime algum, não possui contas na Suíça, não é investigada, nem é ré em nenhum processo por corrupção. Mesmo assim, está sendo submetida a um impeachment político revanchista, com embasamento jurídico frágil e improcedente.

Um dos pontos centrais da obra de Kafka é o espírito crítico ao Poder Judiciário e à arbitrariedade dos mecanismos de justiça contra os cidadãos. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Abusos e ilegalidades são fartos.

 Na trama da vida real, Dilma está envolta em uma espécie de teatro dos absurdos, numa espiral de acontecimentos surreais. Tem como julgadores figuras com o perfil do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que usa o cargo para chantagear o governo. Cunha acolheu o processo de impedimento da presidente para se livrar da cassação de seu próprio mandato.

Ao contrário de Dilma, ele é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção e lavagem de dinheiro. Como se não bastasse um golpe capitaneado por Cunha, a maioria dos parlamentares, membros do “tribunal” que julgará Dilma na Câmara, enfrenta acusações de corrupção e outros crimes graves. Pergunto: qual a legitimidade desses senhores para destituir uma presidenta honrada?

Diferente de K, que não sabe quem o acusa, Dilma tem plena consciência de seus denunciantes e julgadores: a oposição e a mídia, associada aos setores conservadores do judiciário, do parlamento, do empresariado e da sociedade.

 Desejam derrubá-la para golpear a democracia e os direitos sociais, civis e trabalhistas, conquistados por lutadores e lutadoras da cidadania brasileira, fruto de muita luta, suor e sangue.

 Os setores golpistas fizeram um pacto com o que há de mais conservador e retrógrado nesse País e estão dando voz a toda sorte de fundamentalismos, a um discurso de ódio e de intolerância, cada vez mais inflamado nas ruas.

Os arautos da lógica fascista – legítimos representantes das bancadas da Bala, do Boi e da Bíblia (a bancada BBB) – aqueles que promovem a desumanização do outro diferente de si, estão unidos em torno do golpe e têm agido como inimigos desse novo Brasil que floresceu sobre o manto da igualdade, da diversidade, da ampliação das oportunidades e dos direitos das mulheres, negros, LGBTs, juventudes, pobres e trabalhadores.

O romance de Kafka traz, ainda, uma crítica voraz à alienação humana, aos conflitos e contradições da sociedade moderna, ao antagonismo e hostilidade entre o ser humano e o mundo que o rodeia.

Neste aspecto, é preciso que a sociedade brasileira descortine os véus propostos por discursos dominantes e tenha clareza de que o golpe não é contra a corrupção, muito menos mero definidor de quem vai ocupar a cadeira da presidência.

Estamos falando de um golpe no qual se busca retirar do poder a perspectiva de aprofundamento da democracia, de um Brasil generoso que se voltou, prioritariamente, para os mais pobres.

O que se busca, é impor um programa clandestino que não passou pelo crivo das urnas, uma agenda derrotada tantas vezes pelo exercício livre, democrático e soberano do povo nas urnas. O programa “Uma Ponte para o Futuro” (proposto pelo PMDB e PSDB) é a cara do retrocesso, não interessa ao bem comum e ao conjunto da cidadania brasileira.

Na ficção, Josef K sucumbiu a um contexto sórdido, de permanente pesadelo, arbitrariedades e chantagens. Teve seu direito à vida cerceado e mesmo sem ser julgado, acabou por ser condenado à morte.

Na vida real, temos a oportunidade de coletivamente construir um desfecho menos trágico para a nossa jovem democracia.

É tempo de tomar a história em nossas mãos! Com alegria, amor, esperança, luta e fé, preservar as conquistas e impedir que a democracia seja sequestrada por abutres que querem repartir um poder que não lhes pertence, por aqueles que desejam construir sobre as cinzas da própria democracia, um projeto de poder para a minoria historicamente privilegiada deste País.

O vigor das mobilizações de rua que emergem em todo o Brasil contra a quebra da legalidade democrática, demonstra que o povo brasileiro não aceitará mais um golpe. O povo não permitirá a volta de tempos sombrios que deixaram marcas, não somente na pele e na alma de tantos brasileiros e brasileiras, vítimas do arbítrio dos porões escuros da ditadura, mas cicatrizes profundas cravadas na alma do próprio País. Não vamos admitir a prevalência de um Estado de exceção, a ruptura e a afronta ao Estado Democrático de Direito.

Qualquer saída para a crise política e econômica deve ser construída dentro dos limites democráticos, pois sabemos que é na democracia que os direitos são conquistados e assegurados. Sem democracia não há direitos, não há liberdade para ser, para exercer plenamente nossa humanidade.

Vamos resistir à sanha golpista!

“Não vai ter golpe, vai ter luta”!

*Erika Kokay é deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores do Distrito Federal

 Artigo publicado originalmente no Brasil 247 em 4 de abril de 2016

http://www.brasil247.com/pt/colunistas/erikakokay/223833/O-drama-kafkaniano-de-Dilma-Rousseff.htm

Foto: Salu Parente

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