Em artigo, a deputada Erika Kokay (PT-DF) analisa a votação do processo do impeachment na Câmara, onde um palco sensacionalista foi montado como uma “peça teatral burlesca sobre a política brasileira”. Para a deputada, as máscaras caíram. “Com cartazes do tipo “Tchau, Querida”, 367 parlamentares optaram por rasgar a Constituição Federal e pisotear a democracia. Como parte do gran finale, jogaram para a plateia o golpe, como se confete fosse”. Na avaliação de Erika, “estes que tiveram suas máscaras de golpistas expostas, aguardarão o julgamento irrefutável da história, sob a resistência e os protestos dos que decidiram não ficar inertes diante daqueles que elegeram corruptos como heróis”.
Leia a íntegra:
O espetáculo burlesco do impeachment
*Erika Kokay
“Pelo aniversário da minha neta; pelos fundamentos do cristianismo; pelos maçons do Brasil; pela família quadrangular; pela minha mãe nega Lucimar; pela minha esposa, meu filho e minha filha; pelo comunismo que assombra o País; pelas vítimas da BR 251; pela ‘república de Curitiba’; pelo fim dos petroleiros, digo, do petrolão; pelo fim da rentabilização de desocupados e vagabundos; pelo fim da corrupção; em nome de Deus e do povo”.
Pasmem. Essas declarações não foram feitas em um programa de auditório sensacionalista qualquer ou em uma peça teatral burlesca sobre a política brasileira. Esses foram os argumentos literais utilizados por deputados e deputadas para justificar seu voto pela abertura do processo de impedimento de uma presidenta da República, na Câmara Federal, no domingo (17/4).
As despropositadas declarações viralizaram em forma de piada nas redes sociais e transformaram-se em tragédia e escândalo na imprensa internacional. O que o Brasil e o mundo presenciaram foi um espetáculo de mediocridade, uma sessão que não dignifica o parlamento brasileiro, ao contrário, desnuda seu caráter de completa desqualificação.
E as tais pedaladas fiscais? E o crime de responsabilidade? A flagrante ausência de fundamentação jurídica para a abertura do processo fica límpida a medida que não faz parte do repertório das justificativas de voto dos nobres parlamentares.
Em clima de festa e de euforia irrefletida tudo foi permitido: confetes, gritos, até aplausos à corrupção e à memória de torturadores da presidenta Dilma Rousseff, durante o período da ditadura militar.
Foi montado um coreto ao redor do microfone dos votantes, onde os partidários do impeachment intimidaram, agrediram e tentaram cercear o direito de manifestação dos contrários, ao mesmo tempo em que eram eufóricos e elogiosos com os seguidores da quebra da legalidade democrática.
Presenciamos um festival de fundamentalismos, seja o fundamentalismo patrimonialista (dos que acreditam que cercas e bois valem mais que pessoas), o religioso (dos que buscam romper com o Estado Laico), ou mesmo o fundamentalismo punitivo (dos que apontam as armas e as grades como solução para a violência no País). Cada um retirava o outro para dançar e o Brasil, perplexo, viu o desenrolar de um baile macabro.
Jogatinas foram feitas com o destino da Nação, desde grandes acordos realizados nas sombras, com o loteamento de poderes inexistentes e ainda não conquistados, até um vergonhoso bolão sobre o placar de votações.
O jogo, organizado por ninguém menos que o deputado que ocupa o cargo de corregedor da Câmara – responsável pela manutenção do decoro, da ordem e da disciplina na Casa –, reuniu 51 parlamentares, cada qual apostando o valor de R$ 100.
Para completar seu caráter festivo e de escárnio, o teatro teve, Eduardo Cunha, como o protagonista burlesco mor dessa tragicomédia brasileira. Um corrupto – réu no Supremo Tribunal Federal, acusado de receber propinas milionárias e de possuir contas secretas no exterior, fruto de lavagem de dinheiro – foi quem dirigiu todo o espetáculo.
Mas não para por aí a baixeza e indignidade dos personagens. Uma das parlamentares dedicou seu “SIM, SIM, SIM” pelo impedimento da presidenta ao marido, por considerá-lo um “exemplo de gestor para o Brasil”. Um dia depois, o País foi surpreendido com a prisão do então prefeito de Montes Claros (MG), acusado de beneficiar a própria família em detrimento do Sistema Único de Saúde (SUS). E, ela, eleita pelas redes sociais como a representante maior da hipocrisia dos que votaram SIM.
As máscaras caíram. Essa é a cara dos golpistas! Essa é a cara dos golpistas! Se hoje não temos as fardas, nós temos os paletós — via de regra, muito apertados. Se não temos as botas, nós temos os sapatos de luxo. Se não temos as baionetas, temos as canetas e os microfones.
Com cartazes do tipo “Tchau, Querida”, 367 parlamentares optaram por rasgar a Constituição Federal e pisotear a democracia. Como parte do gran finale, jogaram para a plateia o golpe, como se confete fosse.
Estes que tiveram suas máscaras de golpistas expostas, aguardarão o julgamento irrefutável da história, sob a resistência e os protestos dos que decidiram não ficar inertes diante daqueles que elegeram corruptos como heróis.
*Erika Kokay é deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores do Distrito Federal
Publicado originalmente no Brasil 247 em 25 de abril de 2015
Foto: Lúcio Bernardo Jr