O pesquisador Roger Richer, do Instituto Vero, destacou na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (23) que a região Amazônica tem sido alvo de muita desinformação e de uma disputa de narrativas sobre modelos de desenvolvimento: de um lado, alguns defendem que o progresso só será atingido por meio do desflorestamento e das queimadas; de outro, os que defendem uma política mais sustentável para a região, que escute as populações locais e mantenham a floresta em pé.
O assunto foi debatido no seminário “Mentira que Desmata: os impactos da desinformação sobre a Amazônia e as políticas climáticas e ambientais”, organizado pelo Instituto Vero e pelo Coletivo Intervozes. Dados levantados pelas duas entidades indicam que há pelo menos 70 páginas difusoras de fake news nas redes atuando na área da Amazônia Legal e com potencial para impactar a relação dos moradores com a floresta.
O deputado Airton Faleiro (PT-PA) concordou que há uma disputa de narrativas sobre os projetos para a Amazônia e o desmatamento. De um lado, a versão de que o Brasil precisa produzir alimentos. De outro, o questionamento sobre o tipo de alimentos que estão sendo produzidos pelo agronegócio, que, segundo o deputado, estão envenenados por agrotóxicos e mercúrio.
Faleiro pediu mais engajamento dos defensores do meio ambiente nas mídias sociais. “Vou ser sincero: eles estão muito bem na área da mídia. Enquanto as nossas mídias têm lá seus 13, 15 mil seguidores, eles têm 100 mil, 400 mil e até milhões. Estou falando dos deputados. Então, a disputa de narrativas na opinião pública é um fio estratégico para o embate de projetos”, avaliou.
Matteus Oliveira, da Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável, afirmou que a desinformação mata na região e pediu que a Câmara aprove o PL das Fake News (PL 2630/20).
Tipo de desenvolvimento
Secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Juma Kipaia disse que, quando se fala em desenvolvimento na Amazônia, é preciso questionar o tipo de desenvolvimento.
“A Amazônia não precisa ser desenvolvida. O que precisa urgentemente de desenvolvimento, de transformação, é a mente humana. O que significa se transformar? É levar maquinário, grandes indústrias, hidrelétricas como Belo Monte, grandes mineradoras a céu aberto como Belo Sun?, questionou Juma Kipaia. “A gente tem resultado nítido nisso, que é o impacto, a destruição do Rio Doce.”
Segundo ela, os povos da floresta têm grandes saberes milenares, mas o conhecimento de fora da floresta é tido como superior. “É um desenvolvimento que desmata e mata, assim como as mentiras”, alertou.
Na visão da secretária, as fake news fazem parte dos livros de história do Brasil desde seu início, já que não trazem a representatividade e a visão dos povos originários.
Qualidade de vida
A diretora-executiva do Instituto Mapinguari, Hannah Balieiro, reforçou a reclamação de que a mídia dá mais espaço para a narrativa de que a conservação da floresta representa atraso econômico. Segundo ela, a qualidade de vida das pessoas não é considerada indicador de sucesso.
Hannah Balieiro ressaltou que os grandes empreendimentos não necessariamente trazem desenvolvimento para as pessoas da região. E lembrou que, apesar de existirem quatro hidrelétricas no Amapá, a população sofreu com apagão de energia elétrica há dois anos, além de pagar tarifas extremamente caras.
A diretora também comentou a atual polêmica sobre a exploração de petróleo na região Amazônica. “Até quando são os povos da Amazônia que vão ter que pagar esse custo da transição energética?”, questionou, ressaltando que esse custo é social e de vidas.
Falta de informação
O indígena Tapajós Henrique Ferreira, do coletivo Tapajônicos, destacou que a região Amazônica é afetada não apenas pela desinformação, mas também pela falta de informação, causada pela ausência de sinal de celular, de internet e até de energia elétrica.
Ele salientou que os projetos de desenvolvimento para a região devem ser uma construção colaborativa com as populações que vivem na Amazônia. “Temos que parar de globalizar a Amazônia, temos que amazonizar o mundo”, disse.
Soluções para o desmatamento
Assessora da chamada “bancada do cocar” na Câmara, Ingrid Sateré Mawé citou, entre as fake news disseminadas sobre meio ambiente, a de que o desmatamento estaria distante da realidade brasileira, e a de que o Brasil seria o país que mais conserva o meio ambiente.
Segundo ela, é importante não apenas desmentir, mas também divulgar que o desmatamento tem solução, afirmando que houve redução do problema nos governos petistas anteriores.
“O Brasil diminuiu o desmatamento na Amazônia de 27,8 mil km² para 4,6 mil km² entre 2004 e 2012. São dados do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] de 2019″, informou. “Trata-se da maior contribuição dada por um país para a redução de emissões globais de gases de efeito estufa”, disse Ingrid, lembrando que o desmatamento e as queimadas são responsáveis pela maior parte das emissões desses gases no Brasil.
A assessora afirma que a redução desses números foi consequência de operações mais frequentes contra o desmatamento e madeireiras ilegais, além de ações para desmantelar esquemas fraudulentos de licenças ambientais e a criação do fundo Amazônia.
Outros biomas
Ingrid Sateré Mawé disse ainda que é preciso conservar biomas do Brasil inteiro. “Se a gente não proteger a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pampa e o Pantanal, infelizmente o nosso pulmão não vai se sustentar sozinho. Nosso corpo precisa estar saudável por completo para ter sobrevivência, e assim é nossa visão sobre a região amazônica”, comparou.
Ela pediu ainda mais atenção do governo à crise climática. “Até quando o nosso governo brasileiro vai esperar para declarar emergência climática no País?”, questionou.
Já Eliésio Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), defendeu a regulamentação pelo Congresso Nacional dos serviços ambientais, como opção para proteger o meio ambiente e gerar renda.
Agência Câmara de Notícias