Emiliano José: grande mídia está caminhando para o fundo do poço

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Ao analisar a cobertura da mídia brasileira sobre as recentes eleições, o deputado Emiliano José (PT-BA) considera que os grandes grupos de comunicação caminham “para o fundo do poço” e que, na sua prática cotidiana, os veículos não respeitam sequer o que apregoam os seus próprios manuais de redação. Jornalista de ofício e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (FACOM/UFBA), Emiliano cita exemplos dos EUA e da Inglaterra para falar sobre o bom jornalismo e a regulação da mídia e diz não acreditar na autorregeneração da imprensa brasileira. Confira a íntegra da entrevista.

Como o senhor analisa a mídia brasileira no momento atual e a cobertura das eleições 2014?

EJ: A mídia brasileira é escandalosamente partidária. É talvez a mais partidarizada do mundo. Ela, que critica muito os partidos, e de modo muito especial o PT, é uma mídia profundamente partidarizada, no sentido amplo, gramsciano da palavra. É uma mídia-partido, que tem lado, que tem projeto e posição política para o Brasil. Não por acaso, os grandes grupos da mídia no Brasil se perfilaram ao lado do candidato Aécio Neves. As exceções são as exceções, apenas poucos veículos ou alguns jornalistas dos grandes meios que fizeram uma cobertura mais honesta.

O posicionamento explícito, embora não assumido, a favor de candidaturas antipetistas marcou o comportamento padrão da grande mídia?

EJ: Sem dúvida. Mas tomar posição não seria grave, basta lembrar que veículos importantes nos Estados Unidos e na Europa tomam posição e dizem “apoiamos Barack Obama”, mas, na cobertura, eles tentam ser minimamente honestos e equilibrados na relação com os fatos e seguem aqueles padrões do jornalismo liberal, que seriam saudáveis no contexto brasileiro. Se aqueles padrões consagrados do jornalismo liberal fossem seguidos aqui no Brasil, estaríamos bem. Eu diria mais: se os manuais de redações dos nossos veículos fossem seguidos, estaríamos bem.

Esse tipo de posicionamento é também a característica da cobertura cotidiana da política no Brasil?

EJ: A “cobertura” da política no Brasil tornou-se uma ficção, porque não há cobertura jornalística por parte da mídia brasileira. A cobertura pressupõe o mínimo de honestidade com os fatos. Trabalhei muito tempo no Estadão, conservador, que teve agora a honestidade de assumir o apoio a Aécio Neves, mas os seus padrões daquilo que a gente chamava de apuração também pioraram muito. Trabalhei no Estadão num tempo em que se dizia: “podemos tomar um furo, mas não daremos enquanto não confirmarmos aquilo que temos em mãos. Se temos apenas indícios, não vamos dar”. O jornalismo liberal tem qualidades extraordinárias. O jornalismo feito com parâmetros criados no final do século XIX, depois mais tarde com o surgimento do lide, da tentativa de cercar o fato com muito cuidado, de ser rigoroso na apuração em busca da verdade, nunca dar nada sem o mínimo de objetividade e comprovação… esse jornalismo tem grandes qualidades, ele é “revolucionário” no sentido da afirmação da realidade. Isso o jornalismo brasileiro não faz mais.

A capa da Veja tornou-se mais um caso emblemático para estudos sobre como não fazer jornalismo?

EJ: Com toda certeza. Vi a Veja no fatídico, no criminoso número que tentou fraudar as eleições, porque a palavra é essa, e na seção de obituários, ela fala da morte de Ben Bradlee, que foi um extraordinário editor-executivo do Washington Post que dirigiu a cobertura do caso Watergate [que gerou o livro e o filme “Todos os homens do presidente”], talvez o caso mais paradigmático de cobertura séria do poder no jornalismo mundial, no qual o editor dizia exatamente isso: “enquanto não tivermos comprovação, nós não publicaremos”. Aqui no Brasil, basta que, presumivelmente, um delator, um sujeito que topou a delação premiada fale alguma coisa para que a Veja publique. Mas o mais grave é que a Veja publicou isso sem que o delator tenha dito o que se atribuiu a ele, ao menos de acordo com as palavras do seu próprio advogado, que afirmou que “nunca existiu” a oitiva que a revista diz ter ocorrido no dia 22. Nunca o doleiro Alberto Youssef disse o que a revista afirmou que ele havia dito, ou seja, ela se deu ao direito de, em escassas oito linhas, em um diálogo agora comprovadamente inventado, fazer qualquer coisa com o objetivo de interferir nas eleições. A Veja é o paroxismo do jornalismo brasileiro hoje, onde a cobertura morreu.

Episódios como o protagonizado pela Veja se tornaram recorrentes em períodos eleitorais. Tal prática virou uma estratégia padrão da grande mídia?

EJ: O jornalismo brasileiro degenerou nos últimos tempos pela sua obscena partidarização e não tenho muita esperança em uma autorregeneração. Em todas as eleições, desde 1989 para cá – com acento de 2002 em diante – nós temos episódios semelhantes ao da Veja nesta eleição. E ultimamente tem ficado patente a montagem editorial combinada entre os diversos veículos. Ficou evidente que era uma “casadinha” a atitude da Veja, que forneceu para os outros veículos o “argumento” para eles derrotarem a candidatura Dilma Rousseff. Este era o caminho e, apesar de um certo constrangimento, um certo pudor porque era escandalosa demais a invenção, os veículos acabaram seguindo essa estratégia. A capa foi para as ruas, serviu de panfleto e, com isso, acredito que tiraram alguns milhões de votos da Dilma. Eles poderiam ter fraudado a eleição com uma mentira e isso é grave demais! A disputa política não pode ser feita com base na mentira, de nenhum lado. Não podemos admitir esse tipo de coisa.

O que a Veja e os demais veículos fizeram seria condenado em outros países?

EJ: Sim. Por muito menos houve o que houve na Inglaterra, onde ocorreu uma regulação rigorosa da mídia impressa. A Veja vai se afundando pelos seus próprios e profundos erros – erro se a palavra couber, porque erro o jornalismo pode cometer – e pela sua tentativa de interferir na vida política de modo impróprio, porque ela não é ou não deveria ser um agente político, embora, efetivamente, o seja. Ela deveria ser um órgão de jornalismo, inclusive defendendo o seu candidato, as suas posições, mas que não cometesse esse tipo de crime na cobertura. É curioso que nesta mesma edição criminosa constam no editorial algumas “vacinas” e uma confissão freudiana. “Olha, nós não estamos fazendo isso porque queremos interferir na eleição… é porque o fato é muito grave”… isto é, ela está defensiva já no editorial, além da ironia de estar presente também o Ben Bradlee. O jornalismo é um ofício importante demais para ser tratado desta maneira. Creio que o jornalismo brasileiro dos grandes grupos está caminhando para o fundo do poço.

Como você viu o impacto da derrota de Aécio Neves sobre os veículos que o apoiaram?

EJ: A cara do Merval Pereira enquanto era dada a notícia da vitória da presidenta Dilma era tumular e simbólica. E ao dar a notícia eles discutiam quase como se ela tivesse sido a derrotada. Se o Aécio tivesse vencido a eleição por 100 votos, ele seria o vencedor e aí eles iriam comemorar ao extremo. Portanto, é grave o nível de partidarização do jornalismo brasileiro. Olhem o que está posto nas capas e nas chamadas das revistas, dos jornais: estão todos defendendo que a Dilma deve implementar todo o programa do Aécio. Ora, mas quem ganhou a eleição foi a Dilma! O que eles estão pensando? Eles querem chantagear a Dilma para que ela aplique o programa deles?

Rogério Tomaz Jr.

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