O projeto de lei (PL 4.909/20), do Senado Federal, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) para estabelecer educação bilíngue de surdos, dividiu opiniões durante seminário realizado nesta segunda-feira (28), pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Os debatedores destacaram a importância da educação bilíngue para essa parcela da população, mas a maioria considerou o PL excludente.
O seminário foi uma iniciativa do deputado Alexandre Padilha (PT-SP), que é relator da proposta na comissão. O parlamentar disse que desde o momento em que o projeto foi aprovado pelo Senado e encaminhado à Câmara, ele avaliou que – independentemente da sua posição – seria importante abrir o debate com as instituições e entidades da sociedade civil que representam essa parcela significativa da população.
“Esses diálogos serão muito importantes, inclusive, para que a gente possa construir uma posição sobre o relatório”, explicou. Padilha informou que a comissão ainda realizará outros dois seminários para aprofundar o debate sobre a questão.
A presidenta da comissão, deputada Rejane Dias (PT-PI), corroborou com a opinião do relator da matéria. Segundo Rejane, é necessário ouvir todos os setores envolvidos para a construção de um texto melhor que o aprovado no Senado. “É um projeto complexo, ele divide opiniões. Então, realmente é necessário que a gente amplie, portanto, esse debate”, defendeu.
Sistema educacional inclusivo
Contrário à proposição como ela está, Padilha argumentou na justificativa que ele apresentou ao colegiado que o PL 4.909/20, aprovado pelo Senado Federal, em 25 de maio deste ano, “viola o princípio de inclusão plena estabelecido pela CDPD (ONU, 2006), que, em seu artigo 24, define que para efetivar o direito das pessoas com deficiência à educação sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo, em todos os níveis, com os apoios necessários, garantindo, entre outros, o aprendizado da língua de sinais”.
Na opinião de Alexandre Padilha, para o cumprimento do direito à educação, a libras deve ser oferecida nas escolas em classes comuns de ensino e não em escolas segregadas. “Na perspectiva de eliminação desse modelo excludente, deve-se avançar na implementação da política de inclusão, adotada pelo Ministério da Educação, em parceria com os estados, o Distrito Federal e os municípios, que instituiu diretrizes educacionais e financiamento para a garantia da acessibilidade e para a formação de professores nos sistemas de ensino”, diz o texto apresentado pelo parlamentar.
Segregando o surdo
Para a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Deborah Kelly Afonso, a educação bilíngue é necessária. No entanto, ela ponderou que ela é necessária “na escola inclusiva, e não em escola especial, segregando o surdo”.
A promotora apresentou dados dos relatórios pedagógicos de 2019 da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que revelam que os estudantes surdos que responderam a prova em libras, e que estão matriculados nas escolas regulares, obtiveram de um modo geral o melhor desempenho na proficiência em língua portuguesa e matemática, do que aqueles que estão em escola segregacionadas.
“As escolas especiais, as que excluem as pessoas, elas tiram o estudante da convivência com os seus iguais. E o problema aí é que depois os outros alunos, quando se deparam com pessoas surdas, não reconhecem neles o direito do uso da libras. É preciso que todos saibam, aprendam desde sempre que o uso da libras é necessário, é preciso para todo mundo”, esclareceu.
Deborah Kelly disse ainda que recebe demandas na promotoria, mostrando a dificuldade que a pessoa surda tem de ser aceita na comunidade em geral. “Tirar a possibilidade de a comunidade geral entender que é preciso que elas recebam, vai ser um demérito, uma maior dificuldade para as pessoas surda. Vamos defender a escola bilíngue sim, dentro do ensino regular, que é isso manda a convenção, nunca fora do ensino regular”, reforçou.
Ditames constitucionais
Rebecca Nunes Bezerra, representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (Ampid) também defende que a educação bilíngue deva ser garantida no sistema inclusivo de ensino e que este, deve ser implementado de acordo com os ditames constitucionais e legais, como declaração de oportunidades, de aprendizagem, de acessibilidade e de valorização da cultura surda.
“Não tenho a menor dúvida de que a criação e incentivo de escolas especiais, caso isso não fosse constitucional em nosso País, como pretendo PL 490/2020, em muito prejudicará aquelas pessoas com deficiência, inclusive inúmeros surdos sinalizantes que frequentam a escola comum, com a educação oferecida por meio do bilinguismo, pois a escola comum não se sentirá mais responsável por esse aluno, uma vez que existirá a escola especial para atendê-los”, alertou.
Judicialização
A representante da Ampid afirmou ainda que, a aprovação do PL, “muito provavelmente será mais um comando legal levado ao judiciário e aos organismos internacionais pertinentes diante do descumprimento da nossa ordem constitucional e dos compromissos assumidos pela ratificação de tratados internacionais”.
Para todos
Para Joaquim Emanuel Leitão Barbosa, surdo de nascença implantado bilateral bilíngue, especialista em acessibilidade, consultor, palestrante, integrante de entidades representativas de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, afirmou não ser contrário à educação bilíngue. “Nós queremos sim que a educação seja bilíngue, porém no processo inclusivo. Que a educação bilíngue seja feita para todos, inclusive os ouvintes que como nós, comunicamos por libras. Inclusive que nesse projeto de lei, que na estrutura caiba professores surdos, para que caiba tradição em libras, que seja feito no processo educacional comum, inclusivo”, sugeriu.
Benildes Rodrigues