O deputado Dr. Rosinha (PT-PR), médico de formação, assumiu em 2013 a presidência da Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), que debate temas relacionados à saúde e à seguridade social.
Além de histórico de luta nessa área, o deputado atuou por oito anos como membro titular da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, além de ter presidido a Representação Brasileira do Mercosul. Em entrevista ao PT na Câmara, o deputado discorreu sobre os grandes e polêmicos temas a serem encarados pela CSSF em 2013. Confira a entrevista.
PT na Câmara- Além das discussões em torno das matérias legislativas, como será o ano de 2013 na CSSF?
Qualquer comissão tem uma vida própria. Sempre há muito trabalho, mesmo se o presidente ficar de braços cruzados. Na Seguridade Social, que é uma comissão pela qual passam cerca de 34% de todos os projetos de lei que tramitam pela Câmara, queremos ir além disso. Propus que, pelo menos uma vez por mês, reservemos uma quarta-feira para fazermos um grande debate sobre a conjuntura e sobre os grandes temas da saúde e da seguridade social. A proposta foi muito bem acolhida e convidaremos pessoas do governo e da sociedade para contribuírem com esses debates. Em abril deveremos discutir a questão dos planos e seguros de saúde e em maio a vigilância sanitária.
PT na Câmara- Como a comissão pretende abordar a polêmica questão das patentes de medicamentos?
A sociedade brasileira, em geral, não faz o debate sobre as patentes. A lógica com que as grandes empresas trabalham faz do modelo de patentes um novo ‘colonialismo’. Se antes havia a colonização através do domínio do território, hoje isso não é mais necessário, pois isso é feito através do domínio da tecnologia. E isso traz um grande prejuízo, não apenas para a conta corrente dos países, mas para a economia popular, especialmente na área da saúde, no complexo médico-hospitalar, que envolve os medicamentos e também nos equipamentos usados por este setor, no qual o Brasil inova muito pouco. Felizmente, a nossa comissão criou uma subcomissão para debater a questão industrial do nosso país e é nesse tema que entra o debate das patentes. Não canso de dizer que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) hoje é praticamente dominado pelas grandes empresas e não há nenhuma preocupação com a economia popular. Não podemos deixar que isso continue dessa forma, com o INPI muito mais atrelado aos interesses das grandes empresas do que aos interesses da soberania nacional e da economia popular.
PT na Câmara- E o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), quais os gargalos e como a CSSF pretende se envolver com o tema, já que existe uma comissão especial na Câmara voltada exclusivamente para ele?
Por muito tempo acreditava-se que o SUS não funcionava por conta de má gestão, mas hoje se sabe que a questão fundamental é o financiamento. Durante o governo do presidente Lula foi tomada a iniciativa de se realizar um grande investimento na saúde, através do ‘PAC Saúde’, mas este acabou não saindo do papel simplesmente porque o Senado não permitiu, quando derrotou a CPMF e retirou cerca de 50 bilhões de reais por ano da saúde brasileira. Perdemos aquela oportunidade porque alguns senadores não conseguem interpretar as necessidades reais da população brasileira, mas apenas os interesses de alguns setores ou seus interesses pessoais, o que significa trabalhar contra o povo e contra o sistema federativo.
Hoje o financiamento da saúde é um tema muito presente não só na nossa comissão, mas na Câmara dos Deputados também, já que foi criada uma comissão especial exclusiva para debater essa questão. Porém, mesmo com a existência dessa comissão especial, a CSSF também promoverá esse debate, inclusive porque há uma movimentação popular que está recolhendo assinaturas para apresentar um projeto de iniciativa popular para destinar 10% do PIB para a saúde. Devemos lembrar que a nossa população está envelhecendo – e isso é positivo porque significa que estamos vivendo mais – e que o avanço da tecnologia gera uma demanda enorme de acesso aos serviços de saúde, porque devemos compatibilizar o envelhecimento com a melhoria da qualidade de vida. Isso tudo cria a necessidade de mais recursos para a saúde e, felizmente, há setores do governo bastante sensíveis a esse tema.
PT na Câmara- Os planos de saúde são campeões de reclamação da população no setor da saúde. Como poderão ser superados os problemas desse setor?
Nenhum plano de saúde, ou apenas um ou outro, paga transplantes de órgãos ou cirurgias de alta complexidade e alto custo. Quem faz isso é o SUS. Nenhum plano também faz ações de prevenção e promoção da saúde, tudo é o governo que faz. Os planos de saúde têm uma dívida não apenas com os seus associados, mas com a sociedade brasileira. Acho que esses planos devem assumir maiores responsabilidades e devemos instituir regras para que isso ocorra. Por exemplo, a restituição do SUS daquilo que eles venderam e não cumpriram. Que restituam em pagamento ou em oferta de serviços, mas é importante que façamos esse debate com as operadoras.
PT na Câmara- Como pode ser aperfeiçoada a fiscalização e o controle dos hospitais?
É um tema delicado, mas a comissão deve fazer esse debate. Há três tipos de controle que podem ser feitos: o administrativo, o financeiro e o mais difícil de fazer, que é o da qualidade do serviço oferecido, porque uma boa parte dos serviços médicos é difícil de mensurar a sua qualidade, até porque, muitas vezes, o paciente confunde simpatia pessoal com capacidade técnica. O Sistema Único de Saúde tem os auditores do SUS, que, infelizmente, é uma carreira quase em extinção, e a Controladoria Geral da União (CGU) também tem feito isso, em parte. Mas, sem dúvida, devemos ter parâmetros de fiscalização.
PT na Câmara- No caso específico da carga horária dos médicos e dos demais profissionais da saúde, o que a CSSF pretende fazer para solucionar esse problema?
No serviço público, faltam profissionais de saúde em todas as áreas. E o maior problema de carga horária é do médico, que geralmente não cumpre carga horária. Lá atrás, na década de 60, o médico fixou como carga horária máxima de trabalho seis horas por dia, mas a realidade era completamente distinta de hoje. Hoje o médico faz doze horas de trabalho e nós temos que rever isso, desde o contrato de trabalho, o piso e outros elementos que não podem ser separados no debate de recursos humanos da saúde. De qualquer modo, a CSSF criou ano passado uma subcomissão sobre recursos humanos da saúde e este ano vamos aproveitar o relatório desta subcomissão, que foi muito qualificado, para avançarmos neste debate.
PT na Câmara- A sua larga trajetória relacionada aos temas da integração do Brasil com os países da América Latina poderá levar a CSSF a promover discussões sob essa perspectiva?
O Parlamento brasileiro não debate política exterior na medida em que deveria. Quase todos os debates ficam restritos à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e raramente chegam às outras comissões. O Código Sanitário Internacional, por exemplo, foi muito debatido na CSSF – eu fui o relator desse Código – e boa parte dos deputados não sabe da sua existência. Além disso, o Brasil possui acordos na área de previdência social com muitos países do mundo e esse debate não passa pela CSSF. No Japão e nos países do Mercosul, o tempo que o brasileiro trabalhou lá pode ser usado para fins de aposentadoria aqui, mas não se discute isso em outras comissões além da de Relações Exteriores. Na área de saúde animal, o Brasil possui acordos com Paraguai e Bolívia para fornecimento de vacinas para a febre aftosa. Temos uma política de assessoria para tratamento de HIV/AIDS em diversos países da América do Sul e da África, chegamos até a oferecer o coquetel de tratamento gratuitamente ao Paraguai, quer dizer, são temas relevantes para a sociedade brasileira, mas pouco debatidos na Câmara. Fui oito anos titular da Comissão de Relações Exteriores e suplente da de Seguridade Social e agora estou invertendo os papeis. Creio que isso me dá condições de fazer o debate em ambas as comissões.
PT na Câmara- Nesta semana, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em conjunto com todos os conselhos regionais da categoria, se posicionou favorável à legalização do aborto. Como o senhor avalia esse posicionamento?
Vejo muito positivamente a aprovação dessa resolução do CFM. Pessoalmente, sou contrário ao aborto, mas a ‘verdade’ que é minha serve para mim e não necessariamente para os outros. E a posição do conselho significa o respeito à verdade individual e ao direito individual. Não podemos ditar regras legais sobre a vida de qualquer pessoa, quando se trata de algo que diz respeito exclusivamente àquela pessoa. Devemos, sim, estabelecer regras, leis para a coletividade.
Rogério Tomaz Jr.
Foto: Gustavo Bezerra