A comunidade LGBT fez do auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, uma trincheira de resistência à discriminação pela orientação sexual dos indivíduos e um espaço para a consolidação de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais durante os dois dias do XII Seminário LGBT da Casa.
Para os parlamentares que participaram do evento, realizado nesta semana, essa foi realmente a edição da resistência, pois, pela primeira vez, a Presidência da Casa não emitiu os convites para o seminário e tampouco permitiu a ampla divulgação dos cartazes do evento, que traziam a cantora Daniela Mercury e sua mulher, a jornalista Malu Verçosa, em um quase beijo lésbico. Não adiantou a censura. O casal se beijo ao vivo, após a deputada Erika Kokay declarar, em sua saudação inicial: “Os conservadores dessa Casa querem a sociedade dos hospícios, dos presídios com meninos de 16 anos encarcerados, a sociedade dos armários. Uma sociedade que rasga o direito de amar, que se acostuma com a violência e tem medo dos beijos”.
Além disso, também de forma inédita, as comissões de Legislação Participativa, de Cultura e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática assumiram, conjuntamente, a realização do seminário – um lugar tradicionalmente ocupado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que nesta legislatura é formada majoritariamente por parlamentares da bancada fundamentalista.
“’Mais amor, por favor!’. O nome da mesa que encerra este XXII Seminário LGBT da Câmara, o seminário da resistência, é o que digo aos fundamentalistas que tentaram impedir a realização desse evento, que pregam o ódio e temem os beijos”, afirmou Erika, mediadora da plenária de encerramento. “Os direitos LGBT carregam um caráter extremamente transformador, porque é a luta pelo direito de amar e ser. Em uma sociedade tão coisificada, onde a mão invisível do mercado aprisionou os desejos e comportamentos, e que adentra a cidadania da intimidade, é muito importante que nós possamos assegurar o direito de ser, a liberdade e o direito de amar”, disse Kokay.
Apesar dos percalços para a promoção e realização desta 12ª edição, parlamentares, comunidade LGBT, estudiosos, estudantes e representantes dos movimentos sociais organizados debateram temas como homofobia; ataques virtuais; injúria e difamação, entre outros, encarando a superação dessas práticas como uma questão central, de respeito ao ser humano e propagação de amor e de empatia com o outro.
#nossasfamiliasexistem – Durante todo o evento, vídeos com imagens de famílias foram exibidas no telão instalado no auditório. O casal Rogério e Weykman Koscheck, no primeiro dia de evento, e a Ana Lúcia e Letícia, no segundo, foram convidados a contar suas experiências de constituição de famílias homoafetivas. Rogério e Weykman destacaram a vitória de conseguirem adotar quatro crianças – todas irmãs – que eram rejeitadas por casais heterossexuais devido às idades e por apresentarem problemas de saúde. Também conseguiram batizá-las na Igreja Católica. “Se a minha não for uma família, não sei o que é uma família”, desabafou Rogério.
Ana falou sobre os três filhos biológicos que teve com a ex-companheira, da relação que se estabeleceu entre eles e a atual mulher, Letícia, bem como da aceitação de sua família na escola das crianças e comunidade onde vivem. “Os colegas de escola dos meus filhos me perguntam: é verdade que ele tem duas mães? Quando respondo que é, as crianças só dizem ‘ah, tá!’. Preconceito é coisa de adulto”, afirmou.
As falas também serviram de base ao posicionamento contrário dos participantes ao Estatuto da Família, proposta que só considera como família o núcleo formado pela união entre um homem e uma mulher, ou de um deles com seus descendentes, o que desconsidera outros 11 tipos de arranjos familiares. A deputada Erika Kokay participa da comissão especial que analisa a proposta, “que é totalmente inconstitucional”, afirma.
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, a união estável entre homossexuais como entidade familiar e estendeu aos companheiros homoafetivos os mesmos direitos e deveres atribuídos aos heterossexuais.
Respeito – Para a educadora Viviane Mosé, psicóloga, psicanalista e doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acima da necessidade de normatização de direitos está a importância do respeito ao ser humano. “É incompreensível que as pessoas exerçam o ódio por uma orientação sexual. Que tipo de ser humano é esse que somos, que conseguimos nos odiar por conta de quem vai para a cama com quem? Que interesse isso de fato tem? Que tipo de seres humanos somos, o que buscamos e para onde vamos?”, questionou.
Assessoria Parlamentar
Foto: Assessoria Parlamentar