Jair Bolsonaro sequer assumiu a Presidência da República, mas sua promessa de acirrar a perseguição a movimentos sociais e de criminalizá-los já é realidade para 450 famílias que produzem café e mel no acampamento “Quilombo Campo Grande”, em Campo do Meio, município do sul de Minas Gerais. Alvos de uma ordem de despejo, os acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) receberam nesta segunda-feira (26) a visita de integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Parlamentares que participaram da diligência protestaram nesta terça-feira (27), no plenário da Câmara, contra a ordem do juiz Walter Zwicker Esbaille Junior, da Vara Agrária de Minas Gerais. No último dia 7 de novembro, ele decidiu liminarmente, em uma ação de reintegração de posse, que as famílias teriam até o dia 14 para sair do local onde estão há 20 anos. “O juiz foi lá e disse que não há produção. Esse juiz precisa fazer um exame de vista, porque só o que tem lá é produção. O que o juiz está fazendo com os acampados é crime, é perversidade, é maldade, é crueldade”, denunciou o deputado Luiz Couto (PT-PB), presidente da CDHM.
A comitiva fez o mesmo caminho que o juiz teria feito durante vistoria realizada antes de assinar a liminar. Mas, diferentemente das constatações do magistrado, os parlamentares identificaram in loco o que, de fato, é produzido no local. A fazenda ocupada tem vários hectares de horta, possui milhares de árvores nativas e frutíferas, produz cerca de oito toneladas de mel e 510 toneladas de café de qualidade por ano, além de várias outras atividades agrícolas. “Parece que esse juiz está a serviço daqueles que querem destruir o trabalho dos agricultores”, completou Couto.
Integrante da comitiva, o deputado Valmir Assunção (PT-BA) defendeu a permanência das famílias acampadas e reforçou que “o local tem produção em pleno vapor”. “É um absurdo a liminar de despejo contra essas famílias. Estamos na luta e vamos buscar manter essas pessoas no local para que continuem a produzir e a viver de suas próprias mãos”, disse. Ele ressaltou que a decisão judicial, que está sendo questionada pelos advogados das famílias, é arbitrária e fere princípios constitucionais. “Isso porque não reconhece valores da dignidade humana”, protestou.
O deputado João Daniel (PT-SE) também reforçou em seu discurso esse caráter desumano da decisão judicial. Segundo o parlamentar, ao determinar a ação de despejo, a Justiça desconsiderou a Resolução n.º 10, de 17 de outubro de 2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que dispõe sobre soluções garantidoras de direitos e medidas preventivas em situações de conflitos coletivos rurais e urbanos. Ele também lembrou que o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966.
“Esse acordo prevê que seus membros devem trabalhar para a concessão de direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo os direitos de trabalho, à saúde, à educação e à um padrão de vida adequado. A resolução tem como objetivo orientar as autoridades e instituições públicas que tratam de situações de conflitos coletivos possessórios. São medidas que devem ser adotadas para a não violação de determinada coletividade. O juiz, que é um dos endereçados dessa resolução, deverá adotar e considerar uma série de medidas de acordo que sejam pautadas em seu conteúdo o cumprimento da função social da terra, que está garantido em Constituição Federal”, explicou João Daniel.
O deputado Padre João (PT-MG), que também participou da visita, destacou a relevância da diligência feita pelos parlamentares com o objetivo de fazer um contraponto à injustiça cometida contra as famílias. “Foi uma ação muito importante. Fica claro que existe um setor do Judiciário que é elitista, é ruralista e não respeita, de fato, os povos e comunidades tradicionais. Então, é um setor do Judiciário que vem promovendo a verdadeira injustiça no campo e na cidade”, afirmou.
Também participaram da diligência os deputados Adelmo Leão (PT-MG) e Marcon (PT-RS); o deputado estadual Rogério Correia (PT-MG), que se elegeu deputado federal nas últimas eleições; o deputado Cristiano Silva (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa; e a deputada estadual eleita Beatriz Cerqueira (PT-MG).
Ocupação – As famílias vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou suas atividades em 1996. Calcula-se que a empresa possua dívidas trabalhistas que ultrapassam R$ 300 milhões. Com a decisão judicial, podem ser destruídos 1.200 hectares de lavoura de milho, feijão, mandioca e abóbora, 40 hectares de horta agroecológica e 520 hectares de café. São criados ainda 1.200 bovinos, além de porcos e galinhas.
Em 2015, a usina teve a falência transitada em julgado e, no mesmo ano, o governo estadual publicou um decreto que transformava o local em área de interesse social. Também em 2015, um decreto estadual previu a desapropriação de 3.195 hectares da usina, mediante o pagamento de R$ 66 milhões à Capia. Há dois meses, as famílias do Quilombo Campo Grande firmaram um acordo em que o estado se comprometia a pagar o valor em cinco parcelas. Mas, acionistas da empresa com o apoio de ruralistas e latifundiários da região, não aceitaram o acordo.
O grupo levou o caso para a Justiça, contra o governo de Minas Gerais, pedindo anulação do decreto que já havia sido validado por dois julgamentos. Os empresários retomaram uma liminar de despejo de 2012 referente à falência da usina e que estava parada há mais de um ano. Foi essa a liminar aprovada no dia 7 de novembro. Já aconteceram 11 despejos na área, mas apenas parciais. É a primeira vez que um mandado determina o despejo de toda a área.
PT na Câmara