Na primeira audiência pública da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga notícias falsas – as fake news – disseminadas nas redes sociais, debatedores alertam para o perigo que a desinformação pode provocar à democracia. O professor titular da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Wilson Gomes afirmou que fake news é um fenômeno que surge com o avanço da extrema direita no mundo. A audiência desta terça-feira (22) aconteceu no Senado Federal.
Para ele, as notícias falsas se tornaram fenômeno a partir de 2016, em um ambiente de “hiperpolarização política”, com o avanço da direita conservadora e digital. Para o professor da UFBA, a luta de todos contra todos está envenenando o ambiente político brasileiro. O caminho para combater o problema, segundo ele, “é identificar a orquestração, a organização das fake news políticas que, na minha opinião, não é espontânea. Há um trabalho articulado nesse campo”.
Já o comandante do Comando de Defesa Cibernética do Exército, General de Divisão Guido Amin Naves disse que há um relacionamento evidente entre a divulgação das notícias falsas e o mundo da tecnologia de internet. Para ele, quando as fake news contagiam uma eleição, o equilíbrio de poder fica prejudicado.
“Enfrentar esse fenômeno é um desafio para todos da nação brasileira. Tem que começar com as crianças na escola, com uma educação verdadeira. Ninguém hoje vive sem tecnologia e precisamos de segurança para viver nesse mundo”, declarou.
O deputado Rui Falcão (PT-SP) – que presidiu a reunião – questionou o comandante Guido Amin Naves sobre a difusão de notícias falsas que se originam e são difundidas a partir do Palácio do Planalto.
“Uma deputada que era líder do governo até a semana passada [Joice Hasselmann] disse que tem gente dentro do Palácio do Planalto, o chamado ‘trio do ódio´, propagando fake news com dinheiro público. Quem é que cuida disso? Quem protege o presidente da República, a população, os políticos, a imprensa, dessa difusão de mentiras em escala industrial?, questionou Rui Falcão.
O deputado de São Paulo se referiu às declarações da ex-líder do governo Bolsonaro no Congresso Nacional, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), que confirmou a operação de uma rede de fake news dentro do Palácio do Planalto. “Não é possível que isso aconteça dentro do Palácio do Planalto. Quem contém isso? É dinheiro público. É inimaginável que isso ocorra dentro do Palácio do Planalto”, lamentou Falcão.
Milícia virtual
A deputada Natália Bonavides (PT-RN) demonstrou preocupação com as declarações da ex-líder do governo Bolsonaro em um programa de televisão. De acordo com a parlamentar potiguar, o Brasil vive num contexto extremamente preocupante. “A deputada que há poucos dias era líder do governo no Congresso fala em milícia virtual, fala em uma equipe de assessores dos filhos do presidente que teriam como função produzir fake news; o ex-ministro da secretaria de governo fala em milícias virtuais; um deputado que até pouco tempo era do partido do presidente fala que sabe onde é o bunker de produção de fake news”, informou a deputada. Para ela, essas constatações denotam que a democracia também é ameaçada pela propagação das fake news, que foram usadas nas eleições de 2018 e ainda continuam sendo usadas. “Estamos falando de algo que não parou, algo que continua como método político e que está interferindo na produção legislativa desta casa, por exemplo, nas informações que chegam sobre o que está sendo votado aqui”, explicou a parlamentar.
Privacidade hackeada
A deputada Luizianne Lins (PT-CE) convidou a todos para assistir o documentário “Privacidade Hackeada”, que tem a empresa Cambridge Analytica como foco do documentário. O enredo aborda um escândalo de manipulação a partir de dados colhidos no Facebook, pela Cambridge Analytica. Foram 87 milhões de dados coletados sem a permissão dos usuários. “Nós somos apenas algoritmos nesse processo todo”, sentenciou a deputada.
“Estamos falando aqui da mentira. Agora a mentira não precisa de papel para ser disseminada a toda hora e em todo canto. O que é pior, os desonestos, os vagabundos da política – vou usar essa expressão, porque não tem outra definição para aquelas pessoas que querem enganar as outras, que querem ludibriar para ter proveito próprio disso que estão hoje falando do chamado fake news”, lamentou Luizianne.
Foram ouvidos na audiência, além do professor Wilson Gomes, e o General Guido Amin Naves, o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Daniel Bramatti, e o diretor de inovação e ensino na Smart3 Consultoria e Treinamento, Walter Capanema.
Uma nova reunião da comissão foi marcada para esta quarta-feira (23), às 12h, quando serão apreciados mais de 100 requerimentos.
Benildes Rodrigues