Combater o desmonte da saúde e fortalecer o SUS são desafios da sociedade brasileira, afirmam especialistas

Eliane Cruz, Jorge Solla e Chioro, no Seminário sobre saúde. Fotos: Gustavo Bezerra

O cenário no qual está inserida a saúde brasileira, seus desafios, o desmonte promovido por Bolsonaro, o resgate e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) foram abordados de forma enfática pelo conjunto de debatedores – composto por especialistas, parlamentares e ex-ministros dos governos dos presidentes Lula e Dilma – que participaram, nesta segunda-feira (14), do Seminário Travessia, Resistência e Esperança, que tratou dessa temática.

“A ideia é unificar esse debate para gente fazer um bom enfrentamento, uma boa resistência na Câmara e no Senado durante o ano de 2022, mas também poder anunciar o futuro, construir essa travessia, esperançar o Brasil, e o Brasil voltar a ser feliz de novo com o nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, saudou o líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (MG) na abertura do encontro.

Líder Reginaldo Lopes e Solla. Foto: Gabriel Paiva

O evento ocorreu de forma híbrida (presencial na Câmara e pela sala zoom) e foi promovido pelas Lideranças do PT na Câmara e no Senado, em parceria com a Fundação Perseu Abramo e o Instituto Lula.

As mesas de debates foram coordenadas pelos deputados Jorge Solla (PT-BA), Alexandre Padilha (PT-SP), Arlindo Chinaglia (PT-SP) e pelo senador Humberto Costa (PT-PE).

O líder petista afirmou que todos têm que reconhecer que o Brasil criou um dos melhores sistemas de saúde do planeta. Por isso, segundo ele, é fundamental que se pense em um projeto que possa consolidar cada vez mais esse sistema. Ele defende também, que se pense em como construir um sistema complexo de saúde que envolva tecnologia, pesquisa, além de poder ser parte de um processo de reindustrialização do Brasil.

“Pelos estudos apresentados, importamos mais de 300 bilhões, mais de 60 milhões de dólares. Então eu acho que temos aquele desafio do presidente Lula, que iniciou em 2009, com um grupo de trabalho para pensar sobre um complexo industrial para a saúde”, defendeu Reginaldo Lopes.

O professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) e pesquisador do FGV-Saúde Adriano Massuda corrobora a opinião do líder do PT na Câmara. Para o pesquisador, o sistema de saúde precisa de insumos.

“É usar o poder de compra do SUS para negociação de preços. Nós compramos para 210 milhões de habitantes. Tem que usar melhor o poder de compra e, ao mesmo tempo, utilizar isso para o desenvolvimento, resgatar a política para o desenvolvimento do complexo industrial de saúde”, afirmou.

Covid

O sanitarista e pesquisador contou que fez uma análise do impacto da covid-19 no País e a resposta do sistema de saúde brasileiro à pandemia. Segundo ele, os dados analisados apontaram que em outros países, as regiões mais afetadas eram aquelas em que havia uma população mais idosa ou com mais percentual de doenças crônicas e que no Brasil o que determinou o curso da epidemia foi justamente as desigualdades socioeconômicas.

“Assim, observou uma carga diversa, desproporcional dos municípios de maior vulnerabilidade socioeconômica, demonstrando então que isso foi um fator determinante, ou seja, a população pobre do nosso País, foi mais exposta à contaminação e foi aquela também que teve mais dificuldade em ter acesso a diagnóstico e tratamento. Por isso, foi a que teve uma maior taxa de mortalidade”, demonstrou.

Adriano Massuda disse que o Brasil deve deixar de ser um antiexemplo da resposta da pandemia para, sim, poder a ser o que sempre foi. “Um exemplo de país que tem um sistema de saúde que investe na saúde pública, um conjunto de políticas públicas de saúde que são referência internacional para vários outros países em igual à situação como a nossa. Por fim, então, a gente precisa olhar para os desafios, para o resgate do SUS de uma maneira articulada”, afirmou.

Escassez de recurso

Do ponto de vista de financiamento, o pesquisador lembrou que houve um tempo em que se teve avanço com relação à criação de uma legislação com um gasto mínimo em saúde por nível de governo. Segundo ele, atualmente se tem uma enorme liquidez dos gastos, e que apenas 41% dos gastos são públicos, com uma crescente despesa dos municípios com redução do percentual da participação federal. “Então, não dá para criar sistema de saúde sem mais recursos e sem esse recurso distribuído”, criticou.

Massuda disse ainda que com a escassez de recursos as fragilidades se agravaram. “Que a dureza dessa pandemia nos sirva de lição. Fortalecer o SUS pós-covid é essencial não só para melhorar a saúde, mas para otimizar o uso de recursos, garantir segurança sanitária e manter a atividade econômica no País. Um SUS forte deve ter base na ciência e, sobretudo, na solidariedade – a alma dos sistemas universais de saúde”, enfatizou.

A professora da Faculdade de Ciência Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Rosana Onocko, partilha da opinião do sanitarista.

Ela disse que é recorrente ouvir daqueles que tentam demonstrar a inviabilidade do sistema que o “SUS não cabe no Brasil”. Em contraposição a esse argumento, a professora foi enfática: O Sistema Único de Saúde cabe no Brasil e o Brasil pode financiar o SUS”, sustentou Rosana Onocko.

Para fortalecer o SUS, a pesquisadora afirmou que são necessários entre outros pontos, financiamento, gestão democrática e participativa, sistema de informação e transparência, gestão integrada e política de Estado na gestão do SUS.

O ex-ministro da Saúde Arthur Chioro destacou a dimensão política e econômica que levou o Brasil ao subfinanciamento histórico da saúde. Para ele, a situação do financiamento se agravou a partir da Emenda Constitucional 95 (teto de gastos) e das regras de austeridade que, segundo ele, estão sendo testadas e implementadas no país.

“É preciso discutir o futuro da saúde com medidas necessárias para resistir, atravessar e esperançar. Claro que isso passa em primeiro lugar pelos rumos e futuros da nossa própria democracia”, ponderou Chioro.

O ex-ministro acredita que um governo do PT, liderado pelo ex-presidente Lula, “faz e fará e diferença nesse País”. Chioro lembrou que Michel Temer e Jair Bolsonaro romperam a narrativa de defesa do SUS constitucional. “E esse desmonte que está sendo operado pelos fascistas, nos coloca um quadro que será muito mais difícil do que o quadro encontrado em 2003, quando um mestre assumiu a direção do Ministério da Saúde. Será muito mais difícil, muito mais desafiador”, avaliou Chioro, ao se referir à gestão do senador Humberto Costa à frente do MS.

Senador Humberto Costa. Foto: Gabriel Paiva

Condução “criminosa”da pandemia

Arthur Chioro apontou a fragilidade e a gravidade da forma como o governo Bolsonaro tratou a pandemia do novo coronavírus. “Condução criminosa da resposta sanitária que o governo fez na pandemia. Investimento na tese da imunidade de rebanho, deliberada desestruturação do Ministério da Saúde, adoção das teses negacionistas e de boicote liberado das ações do gestor, dos trabalhadores do SUS”, denunciou.

Programa de governo

A coordenadora nacional do Setorial de Saúde do PT, Eliane Cruz, conclamou a todos, para que juntos possam construir um programa de governo que dialogue, que vá ao encontro do esperançar do povo brasileiro.

“A democracia, ela é muito importante para que a gente consiga sempre estar em diálogo, com participação e controle social. “E a questão que eu vou chamar de comunicação social para que nos engajemos na formulação do programa de governo com todos os conteúdos que nós temos, conteúdos que podem ser da academia, conteúdos críticos, análises e propostas que a gente gostaria de ver no nosso programa de governo, análises de situações que nós não resolvemos e, portanto, vamos resolver no futuro num processo construção de um programa de governo participativo”, conclamou.

 

Benildes Rodrigues

Fotos: Gustavo Bezerra e Gabriel Paiva

 

 

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