Operadores do Direito afirmaram durante audiência pública, na Câmara, que várias das dez medidas de combate à corrupção propostas por membros do Ministério Público Federal (MPF) – e que fazem parte do projeto de lei (PL 4.850/16), violam as garantias fundamentais garantidas a todos os brasileiros pela Constituição Federal. As considerações ocorreram durante reunião da Comissão Especial que analisa o projeto na Câmara.
O Procurador de Justiça aposentado, Lênio Luiz Streck e o professor Doutor de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, Ricardo Jacobsen – convidados pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) para o debate – condenaram principalmente a fragilização do direito de defesa dos acusados. Entre elas, a legalização da prova obtida de forma ilegal e as restrições à concessão de Habeas Corpus.
Para o Procurador de Justiça aposentado, Lênio Luiz Streck, nem mesmo a suposta boa intenção de aprimorar as leis para combater a corrupção pode fragilizar direitos garantidos pela Constituição Federal.
“As garantias fundamentais são para todos, e não podemos interpretar que os defensores desses direitos estão defendendo a corrupção. Em uma democracia, a Constituição é a última trincheira (de defesa) para todos. Os fins não podem justificar os meios”, alertou.
Sobre a proposta que permite a produção de prova mediante “boa-fé”, ou seja, sem a suposta intenção de ferir direitos, o Procurador disse que essa justificativa “não cabe dentro do Estado Democrático de Direito”.
“Prova colhida de forma ilícita, ilícita é. A Constituição é taxativa sobre isso. Por exemplo, colher prova via escuta clandestina é coisa da época da ditadura”, avisou Lênio Streck.
Na mesma linha, o professor Doutor de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, Ricardo Jacobsen, afirmou que mesmo a possiblidade aberta para que o acusado conteste a produção da prova, não reduz a arbitrariedade da medida.
“Dessa forma caberia ao acusado tentar provar que a prova foi obtida de forma totalmente ilícita. Algo impossível, porque o acusado não teria como acessar a cadeia de produção da prova”, explicou.
Já sobre a restrição da concessão de embargos infringentes, o procurador Lênio Streck disse que a medida, se adotada, “traria insegurança jurídica”. Em relação ao endurecimento das regras para o Habeas Corpus, o procurador disse que a medida é um retrocesso para a cidadania.
“Temos que ter cuidado, porque o Habeas Corpus é uma conquista após anos de luta. Se não há prova, ou se ela for obtida de forma ilícita, porque não trancar a ação penal? Isso (fragilizar o HC) é algo elementar na democracia contemporânea, seria um retrocesso, além de ser inconstitucional porque a Constituição Federal não permite que um juiz seja impedido de dar um HC”, argumentou.
Abusos – Durante o debate, os operadores do direito alertaram ainda que o combate à corrupção passa muito mais pela criação de mecanismos de controle, do que com o mero aumento de penas para os corruptos.
“Na Inglaterra do século XVIII, instituíram a pena de morte por enforcamento para reduzir os crimes praticados pelos batedores de carteira. Logo após entrar em vigor, quatro desses foram presos e condenados a morte. Uma grande multidão acorreu a praça para ver o enforcamento, e diz a história que nunca se bateu tanta carteira na Inglaterra”, revelou o procurador Lênio Streck.
Também presente ao debate o Juiz de Direito de Santa Catarina, Alexandre Rosa, criticou ainda o fortalecimento excessivo do Ministério Público, como no caso das delações premiadas.
“Nos crimes de corrupção hoje no Brasil, não existe mais a lógica do processo penal. Se faz um acordo de delação premiada, devolve o dinheiro e acabou. Não existe mais o processo penal, tudo é decidido no âmbito da investigação”, observou.
Apesar da crítica, o juiz disse que é favorável a possibilidade das delações no esclarecimento de crimes. Mas defendeu a adoção de regras claras para evitar favorecimentos seletivos.
“Precisamos regulamentar a delação, porque atualmente a delação dá desconto de 90%, até 100% das penas. No caso do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, foi concedida até imunidade para familiares e prisão domiciliar. Isso é justiça?”, finalizou.
Héber Carvalho